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A cor e o gênero das desigualdades no Brasil

Por: Silvana Bahia (silvana@observatoriodefavelas.org.br)

“Conhecer a realidade para poder alterá-la”. É a partir dessa perspectiva que o Dossiê Mulheres Negras: Retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil traz indicadores sobre as desigualdades de gênero e raça que ainda hoje marcam de forma quantitativa e qualitativamente as relações sociais no país. O conceito da interseccionalidade — pensar categorias de classificação dos sujeitos de forma relacional e articulada — serviu de base para o estudo que aponta para a necessidade de compreensão sobre as desigualdades em diferentes campos e, para isso, coletou e disponibilzou um conjunto de informações dividas em doze áreas entre as quais estão: educação, violência, saúde e trabalho. A pesquisa trabalhou com a categoria negra, assim como o IBGE, construída a partir da soma das categorias pretas e pardas.

A busca por um maior conhecimento se faz necessária para sejam levadas em consideração demandas especifícas de diferentes grupos, como no caso das mulheres negras, na elaboração de políticas públicas que alcancem quem é, muitas vezes, menos beneficiado por elas.Todavia é importante ressaltar que as conquistas alcançadas nos últimos anos, como as políticas de ações afirmativas, entre outras, colaboraram, mas ainda temos muito que avançar para reduzir a distância que separa homens e mulheres, negros e brancos no Brasil. O enfrentamento ao racismo e elaboração de políticas efetivas que reduzam as diferenças entre os sujeitos são primordiais numa sociedade que carrega uma herança de valores e padrões sociais que estigmatizam e limitam a inserção de determinados grupos.

Para falar sobre essas diferenças e seus efeitos na sociedade o Boletim Notícias & Análises entrevistou a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada – Ipea – Luana Pinheiro, organizadora da publicação e responsável pela Coordenação de Igualdade de Gênero e Raça, da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais. O Dossiê Mulheres negras foi editado pelo Ipea em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR) e a ONU Mulheres.

Boletim Notícias & Análises: Mesmo com a criação de políticas afirmativas que beneficiaram a vida da população negra em geral, as políticas públicas não são pensadas considerando a interseccionalidade entre gênero e raça. Como esse recorte pode ser aplicados às políticas públicas? E que contribuições pode  trazer a longo prazo?

Luana Pinheiro: É importante destacar que as políticas afirmativas não substituem as políticas de caráter universal, mas, ao contrário, as complementam. As políticas universais têm forte impacto positivo sobre a população negra, mas não são capazes, sozinhas, de eliminar as desigualdades. Devem, portanto, estar sempre acompanhadas de ações que considerem as necessidades e especificidades das populações excluídas (no caso, negros e mulheres, sobre os quais estamos tratando no dossiê) para que possam não apenas melhorar as condições de vida de toda a sociedade brasileira, mas também promover a igualdade entre todos. A contribuição mais importante, portanto, é a inclusão de grupos historicamente excluídos, a partir de um olhar que os veja de fato em suas especificidades, e promova a igualdade.

B&N: É verdade que na última década houve um aumento importante no ingresso de estudantes negros ao ensino superior no Brasil. Todavia é necessário analisar como esse aumento aconteceu e acontece, principalmente quando pensamos num grupo específico como as mulheres negras. Porém,  é importante perguntar como vem se realizando esse crescimento? De que forma esse crescimento influencia o mercado de trabalho brasileiro?

LP: É possível afirmar que a segmentação verificada nos bancos escolares tende a se reproduzir no mercado de trabalho. No caso das mulheres de forma geral, sabemos que existe uma forte segmentação do conhecimento, que se verifica na análise de matrículas nos cursos superiores. As mulheres estão mais presentes em cursos que se relacionam com a questão dos cuidados, da estética ou das relações interpessoais – questões tradicionalmente associadas ao feminino. Dentre os cursos com maior frequência de mulheres estão Pedagogia, Enfermagem, Psicologia, Serviço social. Já os homens encontram-se mais presentes em cursos das áreas de tecnologia, Ciências Exatas, como as Engenharias, Ciências da Computação, entre outros. Não coincidentemente, os cursos mais frequentados por mulheres tendem a ser menos valorizados – social  e economicamente – do que aqueles frequentados pelos homens. A consequência é que a inserção das mulheres no mercado de trabalho tende a reproduzir essa divisão do conhecimento e contribuir para uma inserção mais precária das mulheres, em postos que tendem a remunerar menos e a apresentar piores condições de trabalho.

B&N: Em relação à distribuição das mulheres negras e brancas de acordo com diferentes faixas etárias, o dossiê aponta para maior concentração das mulheres negras (42%) na faixa dos 24 anos em relação às mulheres brancas (37,1%). Na faixa dos 60 anos, esse gráfico muda e as mulheres brancas somam 14% e as negras 10,3%. Como explicar essa diferença?

LP: É possível levantarmos algumas hipóteses para explicar este fenômeno. De fato, já há algum tempo podemos perceber que a expectativa de vida da população negra tem estado sistematicamente abaixo daquela verificada para a população branca. Não poderia ser diferente quando nos restringimos a analisar o grupo das mulheres. O que este dado mostra é exatamente esta diferença nas expectativas de vida: se entre as mais jovens temos mais negras (lembrando que a população negra é maioria em nosso país, então seria um resultado dessa maioria), é preciso identificar fatores que fazem com que estas mulheres não consigam chegar na mesma proporção à faixa dos 60 anos. Podemos pensar na maior pobreza que estas mulheres enfrentam e nas maiores dificuldades, portanto, de acessar serviços de saúde, educação e saneamento básico, por exemplo. Sabe-se que o acesso a saneamento básico, à informação, à saúde, são causas centrais para a redução da mortalidade no país e a consequente ampliação da expectativa de vida. Este acesso, porém, ainda tem sido desigualmente usufruído pelas populações brancas e negras.

B&A: Qual a relação que os serviços de saúde tem com essa diminuição da população negra, especialmente mulheres na faixa dos 60 anos?

LP: Os serviços de saúde, por exemplo não são igualmente acessíveis à população, ainda que estejamos falando dos serviços públicos. Um exemplo é o acesso ao exame clínico de mamas, que é um exame preventivo do câncer de mama, de toque, independente, portanto, da existência de equipamentos mais sofisticados no serviço de saúde. Em 2008, último ano para o qual temos informações, 19% das mulheres brancas nunca havia feito tal procedimento. Já entre as mulheres negras, este valor salta para 32,6%. Este diferencial no acesso aos serviços de saúde é, certamente, um dos pontos que contribuem para o maior adoecimento e menor esperança de vida da população negra.

B&N: Com alguma frequência lemos e relemos conteúdos, em especial os midiáticos, que tratam a estética negra como ‘exótica’. Ainda que digam ao contrário, pode-se afirmar que muitas vezes este tipo de produção fortalece o racismo. Em contrapartida, muitos grupos de comunicação alternativa fazem um trabalho contrário, valorizando a autoestima de homens e mulheres nas mais diversas temáticas: saúde, trabalho, beleza, entre outros. É possível afirmar que a valorização da beleza natural negra influencia na autoestima para além da estética, encorajando a ocupar lugares talvez antes nunca pensados?

LP: Não apenas a valorização da beleza negra – que, sem dúvida, é fundamental para o enfrentamento ao racismo – mas também políticas de natureza afirmativa que coloquem as mulheres e homens negros em posições não tradicionalmente ocupadas por eles. Este é um dos efeitos mais interessantes das políticas de cotas, por exemplo. O fato de formarmos mais advogados, médicos, engenheiros e de apontarmos para as crianças outros destinos para a população negra.

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