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Arte em movimento: como práticas de gestão cultural podem transformar territórios?

Reportagem: Gabrielle Araujo (gabrielle@observatoriodefavelas.org.br)
Arte: Taiane Brito (taiane@observatoriodefavelas.org.br)

Seja para quem desfruta, como para quem atua na produção, a cultura é uma verdadeira ferramenta de transformação social para favelas e territórios periféricos. Afinal, para além de manifestações pontuais, a arte é capaz de servir como ponte para a retomada de direitos, além de contribuir com processos formativos. É nesta ótica que o curso “Engenharia Cultural: como práticas de gestão cultural podem transformar territórios?”, uma realização do Observatório de Favelas, através da Arena Carioca Dicró, e o curso de Engenharia de Produção da Unirio, pretende dialogar.

A diretora do Observatório de Favelas, Isabela Souza, pondera que a iniciativa, fruto da parceria entre um espaço público de incidência cultural e uma instituição de nível federal, é um dos muitas entregas destes quase 10 anos de existência da Arena Carioca Dicró. “Principalmente no campo da formação e em busca da redução das desigualdades estruturantes, a parceria com universidades sempre foi muito estratégica. É um movimento que nós sempre construímos. Independente do projeto, da área ou do eixo, a busca de articulações e diálogos mais aproximados é algo que sempre almejamos porque é uma forma de complementarmos a nossa construção, além de produzir intervenções com o engajamento necessário”, completa.

De responsabilidade da Secretaria Municipal de Cultura e administração de organizações da sociedade civil, as Arenas Cariocas são fruto de política pública visando o acesso à cultura em bairros periféricos do Rio de Janeiro. Lançadas em 2012, durante o primeiro mandato de Eduardo Paes (jan/2009 – dez/2012), atualmente o município conta com quatro unidades: Arena Abelardo Barbosa – Chacrinha, na Pedra de Guaratiba; Arena Jovelina Pérola Negra, na Pavuna; Arena Fernando Torres, em Madureira; e Arena Carlos Roberto de Oliveira Dicró, na Penha. Elas funcionam como um importante pilar na promoção da integração e acesso dos moradores destas regiões e arredores a ações culturais, atividades esportivas e também a processos formativos e de qualificação, como cursos profissionalizantes.

Conhecida como Arena Dicró, a unidade da Penha, em períodos regulares de atividades, conta com um público estimado de 2 mil pessoas por mês. Gerida pelo Observatório de Favelas, o espaço já recebeu, ao longo de quase dez anos de história, oficinas como de DJ, danças, circo, capoeira, audiovisual, além de ser palco de espetáculos de teatro e shows. Atualmente, com a chegada da pandemia, todas as atividades são realizadas de forma virtual, no qual o público pode acompanhar através das redes sociais (facebook e instagram) e também no canal do youtube do equipamento cultural. Isabela coordenou a Dicró por cinco anos, e afirma a alegria em poder vivenciar colaborações da Arena com instituições de toda a cidade, entre estas as de ensino e pesquisa, como é o caso da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). “Particularmente, fico muito feliz de isso ter acontecido justamente num primeiro momento para pensar em nossos processos de sistematização da metodologia e, agora nesse segundo momento, com propostas de reflexão, como o seminário e o curso”.

Como exemplo dessa atuação e citado pela diretora, o seminário “O Valor do Encontro: perspectivas sobre gestão cultural hoje” (acesse AQUI) aconteceu em setembro do ano passado e reuniu atores sociais para debaterem a importância da gestão de atividades culturais no Brasil, com o olhar voltado para territórios periféricos. Foram três dias de atividades com palestras que mesclavam reflexão, propostas e pretensões de construções futuras. Como resultado, a formação de Engenharia Cultural retoma esse diálogo de forma mais amplificada, dividida em 10 aulas. “Encontramos no curso de Engenharia de Produção Cultural da Unirio e em alguns professores desse curso, uma parceria em que as duas partes desejavam que fosse além. Temos a preocupação em deixar registros para que outros gestores culturais possam entender os desafios que a gente enfrentou e superou”, acrescenta Isabela.


Diogo Nogueira no palco da Arena Dicró. O artista realizou uma turnê nas lonas e arenas da cidade. Foto: Ellen Marques – Arquivo Dicró

Conhecimento para além dos muros acadêmicos

Semelhante à Isabela, Manoel Silvestre Friques, professor de Engenharia de Produção da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e do Programa de Pós Graduação em Artes da Cena da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pondera que a união entre a Arena Carioca Dicró e a Unirio já existe há alguns anos e, além de refletir sobre a colaboração, destaca os nomes que foram essenciais para romper com as barreiras da academia em uma formação dinâmica e completa. “É fundamental, pois ele tem como ênfase a produção cultural brasileira. E, não é tão fácil estabelecermos este tipo de parceria, por uma série de motivos: desconhecimento de ambas as partes (engenharia e cultura) a respeito dos benefícios que podem ser gerados; obstáculos epistemológicos e cognitivos que dificultam a tradução entre as linguagens da cultura e da engenharia; imagens clichê a respeito de uma ou outra área, entre outros.. É preciso sublinhar o papel fundamental que a Rebeca, a Isabela e a Ana Paula [produtora executiva da Arena Dicró] cumprem nesta parceria: nós, da UNIRIO, aprendemos muito com elas”, dialoga.

O professor acrescenta ainda que, ao se pensar em engenharia da cultura na sociedade, não se pode atribuir a atuação apenas aos locais físicos, mas também a toda subjetividade que integra o setor. “O principal ativo que vejo é esta rede de agenciamentos entre instituições, agentes e fruidores culturais a partir de um interesse comum: buscar soluções inovadoras para os problemas de gestão cultural. Incluindo-se aí a distribuição desigual de ofertas e espaços culturais na cidade; a questão da remuneração; a desmistificação dos ideais românticos e elitistas da produção artística em favor de construções situadas no território”, expõe Manoel.

A atual coordenadora da Arena Carioca Dicró, Rebeca Brandão, vai de encontro à Manoel e complementa que a potência da cultura como transformação surge de uma necessidade prática de alargar horizontes. “O curso acaba sendo um desdobramento natural dessa série de ações, por entendermos a necessidade de criar cada vez mais ferramentas e recursos para gestores e produtores que não estão alocados no eixo Centro – Zona Sul. É muito importante consolidar uma rede desses profissionais para que a gente comece a construir a sustentabilidade desses projetos e equipamentos, além de oferecer uma outra narrativa de um fazer que está alinhado à vida na periferia e nas favelas”, destaca.


Mulheres Protagonistas com Taísa Machado (Afrofunk Rio) – Iniciativa buscou construir uma rede de mulheres da cultura no Estado. Foto: Talita Nascimento – Arquivo Dicró

Expandir processos de atuação através da educação

O gestor do Teatro Escola de Salvador e produtor cultural, Nell Araújo, discorre sobre o valor de existir mais líderes culturais em favelas e periferias. “A gente da cultura por muitos anos nos colocamos no lugar do programador ou da curadoria.  Hoje estamos trazendo um olhar da ressignificação da cultura, que é também uma ferramenta para que as comunidades possam ensinar e multiplicar essa gestão. Sempre tivemos essa questão de estarmos apenas recebendo o que era pré-criado ou construído e oferecido. Hoje isso mudou e está de forma muito mais horizontal e sendo levada para dentro das favelas”, explica Nell, que também participou da série de diálogos “O Valor do Encontro”, realizada ao longo de 2020, aos sábados, no Instagram da Arena Carioca Dicró. Os encontros seguem quinzenalmente no mesmo local.


Nell Araújo em atuação no Teatro Escola de Salvador. Foto: arquivo pessoal

No âmbito da gestão, a capacitação também vem como um processo de afirmação daquilo que já é feito há anos dentro de favelas. “Cada dia mais precisamos levar habilidades e conhecimentos. Eu acredito que muitos já conseguem gerir dentro de seus territórios, mas com esse processo, conseguimos validar e levar inovações e métodos para alavancarmos mais ainda os trabalhos de grande relevância desses líderes e gestores culturais do nosso Brasil”, explica o produtor.

O curso “Engenharia Cultural: como práticas de gestão cultural podem transformar territórios?” está com inscrições abertas até o dia 22 de fevereiro. Durante 10 encontros os/as participantes farão uma imersão em temas conectados entre História Cultural, Gestão de Projetos e Curadoria, Experiências concretas entre redes e ruas, Captação de Recursos, dentre outros a serem abordados. Interessados podem se candidatar pelo formulário:   https://bityli.com/cursoengenhariacultural.

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