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Drogas: Quanto custa proibir, Movimentos e Rotas de Fuga

 

Produzir dados, análises estratégicas e aproximar moradores de favelas e periferias do debate sobre as consequências da guerra às drogas são alguns dos pontos que norteiam as ações de iniciativas, como o Drogas: Quanto Custa ProibirMovimentos e Rotas de Fuga. Entre eles, o protagonismo na elaboração de informações sobre a política de drogas vai para além dos custos públicos envolvidos nessa esfera, mas também apresenta um olhar a partir dos direitos humanos e suas consequências para os moradores desses territórios.

Coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), a pesquisa Drogas: Quanto Custa Proibir apresenta os impactos no orçamento público do atual contexto que rege as ações em prol da proibição das drogas. Na primeira fase do projeto inédito, a equipe debruça suas atividades em detalhar as despesas governamentais de sete entidades que atuam diretamente na repressão às drogas: Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria Pública,  Tribunal de Justiça, Sistema Penitenciário e Sistema Socioeducativo.

O historiador, doutor em Sociologia e Coordenador do projeto Drogas, Quanto Custa Proibir (CESeC), Athos Vieira, pontua que o principal objetivo de estabelecer um projeto desse nível não é apenas numa lógica de reflexão, mas também de pensar alternativas para o modelo que está em prática na segurança pública. “A motivação inicial do projeto surgiu da constatação de que os dados reais sobre encarceramento massivo, maus tratos e constante desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos no sistema carcerário e na sociedade em geral não mais comovem as pessoas. O exemplo da chacina do Jacarezinho talvez seja o mais eloquente dos últimos tempos. Nossa coordenadora-geral, Julita Lemgruber, que há anos desenvolve trabalhos e pesquisas nessa área, percebeu que os absurdos do sistema penitenciário somente chamavam atenção quando eram apresentadas, não apenas as dores, mas os custos desse sistema. Como a questão das drogas é um assunto que atravessa permanentemente o debate sobre encarceramento, daí surgiu então a ideia de que calcular os custos que a manutenção dessa política equivocada exige do orçamento público fosse um bom caminho para provocar o debate público”, afirma Athos.

Neste contexto, as instituições do sistema de justiça criminal apresentadas na pesquisa integram os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, o estudo aponta que ao estudar os elementos que sustentam esse modelo de segurança pública, é preciso que exista um olhar racializado. Nesta premissa, a pesquisa aponta que essa corrida de repressão às drogas está a cada dia mais defasada e, de práxis, violenta. O relatório “Um Tiro no Pé: Impactos da proibição das drogas no orçamento do sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro e São Paulo” aponta que 75% das pessoas mortas entre 2017 e 2018 no Brasil em ações policiais – justificadas em nome do combate às drogas e ao crime – eram negras. Em 2019, 80% dos mortos em operações policiais, no Rio, eram negros. “A ideia principal não é evidenciar exatamente os custos, mas através destes números absurdos sensibilizar a opinião pública para que se perceba que este caminho, além de desumano, é caro, muito caro para o bolso do contribuinte. A guerra às drogas se mostra ineficaz, intencionalmente racista e custosa para toda a sociedade“, completa Vieira.

Quanto Custa Proibir: projeto propõe debate sobre os impactos da política de proibição das drogas. Ilustração: Laerte.

Formado por uma equipe multidisciplinar, o Quanto Custa Proibir se dedica a analisar seu objeto de estudo de uma forma que contemple diferentes áreas, estabelecendo assim uma assertividade para responder às três perguntas-chave que compõem a ação: quanto custa aos cofres públicos sustentar a proibição das drogas no Brasil; em que outras áreas os recursos usados na proibição das drogas poderiam ser investidos; e quais são os reais resultados da proibição. “O principal resultado foi uma chacoalhada na letargia da opinião pública com o primeiro relatório do projeto que lançamos em março deste ano, ‘Um tiro no pé’, no qual foi calculado o valor empregado pelo sistema de justiça criminal para a manutenção da política de proibicionismo. Quer dizer, das sete instituições deste sistema (polícias civis e militares, tribunal de justiça, ministério público, defensoria pública, sistemas carcerários e socioeducativos), descobrimos que, apenas nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, no ano de 2017, foram aplicados 5,2 bilhões de reais para prender, acusar, defender, julgar e encarcerar todos os implicados com a legislação de drogas”, elucida o historiador.

O site do projeto conta com uma calculadora, no qual o leitor tem autonomia para estimar em quais outros setores da sociedade o dinheiro gasto com as operações e corrida de proibição das drogas poderia ser investido, como saúde e educação. No mesmo endereço eletrônico, é possível acessar uma biblioteca que contém artigos de especialistas e pesquisadores, infográficos e relatórios que fomentam o diálogo proposto na iniciativa. “Nosso primeiro relatório alcançou uma ampla repercussão na mídia, foi objeto de editoriais dos principais jornais brasileiros e também na mídia independente. Pesquisadores do LabJaca, seguindo nosso exemplo, calcularam que o valor investido em cada helicóptero blindado, os chamados ‘caveirões voadores’, poderia bancar 88 mil auxílios emergenciais no valor de R$ 250,00. O economista do IPEA, Daniel Cerqueira, e o coronel Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior da PMERJ, também tomando nossa pesquisa como exemplo, publicaram artigo no qual calcularam os custos das operações policiais que invadem e matam pessoas em favelas, como ocorreu no Jacarezinho”, finaliza Athos.

Drogas, juventude e favela

Formado a partir de uma imersão de três dias para que jovens pudessem discutir sobre a política de drogas, o Movimentos consolida-se como um espaço que aproxima a juventude do diálogo sobre as drogas em favelas e periferias. Como o próprio coletivo, formado por oito pessoas, se autodenomina, “somos os mais impactados pela violência, pelo estigma e pelo racismo gerados em nome da guerra às drogas” e são categóricos ao afirmar que uma nova política de drogas no Rio de Janeiro é urgente.

A coordenadora de comunicação no Movimentos e estudante de Jornalismo, Thaynara Santos, comenta sobre o grupo, que tem sede na favela do Parque União, na Maré. “A ideia e a produção da imersão foram responsabilidade do CESeC. A principal motivação da formação foi incluir os moradores da favela e da periferia na discussão da política de drogas. Não que essa discussão já não acontecesse, mas sempre pautou as ambições da classe média e nunca tinha parado para escutar a opinião de quem mais sobre com essa política de drogas racista e atrasada. Isso, consequentemente, alimenta a violência pública e ‘justifica’ as operações policiais com inúmeras violações de direitos para a sociedade”, explica Thaynara.

Ao fundo, equipe do Movimentos. Foto: Acervo / Movimentos.

Para realizar essa aproximação, os princípios do grupo estão sintetizados em quatro elementos principais: falar do impacto da guerra às drogas no nosso cotidiano; pensar alternativas à guerra às drogas a partir da perspectiva das favelas e periferias; a juventude tem que ser protagonista desse processo; e fortalecer as estratégias de redução de danos e saúde mental nas favelas. Com isso, diferentes áreas caminham juntas para a execução do projeto. “Desde sempre o Movimentos valoriza as habilidades individuais dos integrantes. Por exemplo, eu sou mais conectada com jornalismo, então faço parte da comunicação. Quem tem mais experiência com audiovisual, fica nessa área. No nosso grupo temos artistas, produtores, fotógrafos, comunicadores, atores, redutor de danos, professor, etc. É muito amplo. E não limitamos o integrante a nenhuma área, geral é livre pra somar onde quiser”, assegura a coordenadora.

Até aqui a iniciativa já investiu em captar resultados que vão desde a formação, quanto na mobilização de instituições parceiras. “Nós sempre priorizamos o trabalho de base, então já produzimos uma cartilha sobre política de drogas e saúde, fizemos uma pesquisa com jovens lideranças, temos um podcast – o Movicast, já realizamos um encontro nacional para falar sobre política de drogas, temos uma newsletter, realizamos duas residências para falar sobre arte, comunicação e direitos humanos, participamos de diversos programas, entrevistas, podcasts, etc. Enfim, sempre procuramos atingir as pessoas e alertar sobre a importância dessa discussão. As pessoas estão morrendo com essa criminalização da favela e da pobreza.”

Nesse contexto, no Observatório de Favelas, outro projeto também teve como protagonistas os jovens e a política de drogas, com um olhar que expõe os impactos da violência armada em territórios favelados e contribui para uma maior compreensão sobre a participação da juventude no tráfico de drogas. Assim foi o Rotas de Fuga, iniciativa do eixo de Direito à Vida e Segurança Pública (DVSP) do Observatório de Favelas, criado com o objetivo de construir e implementar estratégias de prevenção e criação de alternativas para crianças, adolescentes e jovens inseridos na rede do tráfico de drogas no varejo.

Na etapa inicial da iniciativa, os pesquisadores acompanharam a trajetória de 230 crianças, adolescentes e jovens que trabalhavam na rede do tráfico de drogas no varejo em 34 favelas do Rio de Janeiro entre os anos de 2004 e 2006. “A pesquisa teve como objetivo compreender a dinâmica da rede social do tráfico de drogas, tendo em vista obter subsídios para o desenvolvimento de ações voltadas para a prevenção e a criação de alternativas sustentáveis ao trabalho de crianças, adolescentes e jovens em redes ilícitas. A partir dos resultados obtidos, criamos um eixo de prevenção que envolvia ações integradas de caráter educacional, profissionalizante e psicossocial junto a famílias em situação de vulnerabilidade social; e formulamos uma metodologia destinada à criação de alternativas sustentáveis para adolescentes e jovens inseridos em redes ilícitas, e em especial no tráfico de drogas, que manifestaram o desejo de sair desta rede”, explica a diretora do Observatório e coordenadora geral do DVSP, Raquel Willadino.

A pesquisadora também acrescenta que “foram desenvolvidas ações de sensibilização social sobre o tema da violência letal contra crianças, adolescentes e jovens negros moradores de favelas, visando dar visibilidade para os impactos negativos da lógica bélica de enfrentamento do tráfico de drogas no varejo nos centros urbanos”. Na pesquisa “Rotas de Fuga: caminhadas“, a equipe apresentou quais os contextos da violência, dinâmicas de disputas por controle territorial, narrativas e práticas envolvidas na rede social do tráfico de drogas e caminhos possíveis para a criação de alternativas. Nesse sentido, a equipe lidou com um desafio que permanece até hoje quando se dialoga sobre drogas: o assassinato de adolescentes e jovens negros. “Um dos principais desafios que enfrentamos ao longo do programa foram os impactos no campo da violência letal. Para que se tenha uma ideia, 45 jovens do grupo de 230 adolescentes e jovens que acompanhamos foram mortos no decorrer da pesquisa. Isso coloca em evidência de forma muito contundente os efeitos da lógica da ‘guerra às drogas’ no acirramento da violência letal. E, especialmente, na implementação de uma política de segurança pública orientada pela lógica do confronto que atinge prioritariamente jovens negros moradores de favelas e periferias”, elucida Raquel.

Como um dos principais resultados da ação, o Rotas garantiu tanto a produção de conhecimento sobre a temática abordada, quanto contribui para a construção de metodologias inovadoras que propõem alternativas para adolescentes e jovens inseridos no tráfico de drogas no varejo que manifestam o desejo de sair desta rede. “A experiência também impulsionou o desenvolvimento de um programa mais amplo com foco na redução de homicídios de adolescentes e jovens negros moradores de favelas e periferias. Posteriormente, no ano de 2018, realizamos uma nova pesquisa sobre o perfil e as práticas de jovens inseridos em redes ilícitas, que atualizam dados que havíamos levantado na época do Rotas de Fuga buscando compreender as possíveis reconfigurações dessas redes após uma década. Neste estudo também avançamos com debates importantes no campo da saúde pública. Romper com a lógica bélica no campo da segurança pública e avançar na reformulação da política sobre drogas no Brasil é fundamental para a construção de políticas que tenham como princípio a proteção da vida”, finaliza Raquel.

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