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Juventude, moradia e favela

Jovens de favelas e periferias contam sobre o processo e desafios de iniciar a independência financeira

Texto: Gabrielle Araujo (gabrielle@observatoriodefavelas.org.br)
Arte Gráfica: Marcella Pizzolato (marcella@observatoriodefavelas.org.br)

O conceito de lar passa por diferentes significados. Para alguns, a garantia de um espaço onde podem se expressar e construir suas narrativas livremente. Para outros, elementos como segurança e independência financeira entram no pacote. E essa realidade se faz presente cada vez mais na vida de jovens de favelas e periferias, que buscam na construção do lar, a expressão de seus ideais e a afirmação de novas possibilidades de vida.

Esse é o exemplo de Laerte Breno, que é estudante de letras na UFRJ, educador popular e fundador do UNIfavela, pré-vestibular que atende a estudantes moradores da Maré. Ele conta que o desejo de sair de casa surgiu como uma busca por maior possibilidade de silêncio para os estudos. “Com a pandemia, eu percebi que, como eu ficava muito em casa, não conseguia me concentrar e estudar. Eu precisava de um espaço de concentração e silêncio. Então eu me planejei. Esse planejamento veio muito para separar uma graninha que eu tinha guardado. Eu trabalhava desde os meus 14 anos e, se eu recebia 100 reais em um dia, eu guardava 20. Então eu fui ao longo do tempo tentando guardar esse dinheiro. Na pandemia eu consegui um trabalho, que foi uma renda complementar”, explica.

A decisão nem sempre é fácil. Fatores como renda, alimentação e saúde psicológica entram em pauta quando a decisão é morar só. De acordo com a pesquisa “Coronavírus nas favelas: a desigualdade e o racismo sem máscaras”, cerca de 54% dos moradores de favelas do Rio de Janeiro perderam seus empregos durante a pandemia de COVID-19. Além disso, dos 62% que solicitaram o auxílio emergencial do governo, apenas 52% receberam. O estudo, que foi lançado pelo Movimentos, entrevistou 955 moradores das favelas da Cidade de Deus, Alemão e da Maré durante os meses de setembro e outubro de 2020.

Para a jornalista e assessora parlamentar Gabriela Willer, 26 anos, morar só é uma possibilidade de segurança e conforto. “Por causa da faculdade, eu fui morar sozinha com 18 anos. Mas ainda voltava aos finais de semana. Porém, por problemas familiares, eu saí definitivamente aos 22 anos. Eu tinha três empregos para conseguir pagar o aluguel e as contas da casa. E com a pandemia, eu perdi meu emprego fixo e fiquei em exaustão. Por isso, com 25 anos eu decidi voltar para a casa dos meus pais para conseguir ter um pouco mais de calma. Mas é uma tarefa difícil. Por isso, agora, com o meu novo emprego, eu me planejo para no final deste ano voltar a morar sozinha”, afirma Willer.

No total, o Brasil está com cerca de 14 milhões de pessoas sem emprego. Além disso, o IBGE classificou que os jovens são os mais afetados pelo desemprego. Pessoas de 14 a 17 anos, 46% não possuem trabalho. E entre 18 a 24 anos, a faixa é ainda maior: 31%. Em relação a saúde mental, de todos os entrevistados, 34% afirmaram que a ansiedade foi um dos sentimentos mais presentes durante a pandemia. A tristeza também foi comum, no qual 80,9% dos moradores afirmaram ter um pouco, enquanto 53,6% afirmaram sentir em níveis medianos a extremo. “Não é fácil. O índice de desempregabilidade foi altíssimo. No início foi bem difícil se adaptar. Como eu disse, cada um tem a sua dificuldade. O gás é uma tortura. Quando você acha que está tranquilo, ele acaba. Eu diria que o conselho é tentar se planejar financeiramente e psicologicamente. Cada um vai ter a sua dificuldade na prática”, completa Laerte.

Apesar dos desafios, conseguir furar a bolha e ter a própria independência financeira também garante boas histórias e sentimento de realização. “Eu perguntei a amigos e colegas como era morar sozinho. Para mim, é muito difícil conciliar as tarefas domésticas com as do trabalho. Porque eu preciso trabalhar e quando eu folgo, tenho que fazer faxina e arrumar a casa. Eu tento conciliar na medida do possível. A importância é esse sentimento de orgulho. Porque enquanto moleque favelado e de onde eu vim, é muito difícil ter um cantinho para chamar de seu. Futuramente eu quero comprar uma casa, ter uma família. Apesar de ter apenas 26 anos, eu tenho esse pensamento”, afirma o educador.

Como forma de inspiração, Laerte compartilha sua jornada de moradia nas redes sociais e também os sentimentos que lida durante esse caminho. “Também tem muito de você deixar a casa aos pouquinhos do seu jeito. Eu lembro que quando eu entrei aqui, fiz um chá de panela e não tinha copo. Eu tive que esperar a minha amiga que me daria os copos para então servir o suco para os meus amigos. As mudanças daqui, por exemplo, eu mesmo fiz, pintei as paredes etc. É um sentimento de orgulho. Pouquíssimas vezes na minha vida eu sentia isso. Então com a terapia, hoje eu sinto orgulho. É um espaço meu e até aumentou a minha relação com a minha família”, finaliza Breno.

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