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O trabalho com busca ativa para alcançar a cobertura vacinal da população mareense

No desafio de garantir que moradores do território da Maré completem o esquema vacinal, agentes de saúde do território se mobilizam em busca de seus pacientes.

Texto: Elaine Lopes*

A vacinação é um dos métodos mais importantes de prevenção contra agentes infecciosos como vírus e bactérias, que podem afetar seriamente a saúde das pessoas, podendo levar à morte. Portanto, manter o esquema vacinal em dia é uma ótima forma de se prevenir contra diversos tipos de doenças graves. Apesar da importância desse ato, nem todas as pessoas comparecem às Unidades Básicas de Saúde para tomar suas vacinas ou levar suas crianças para cumprir com o calendário vacinal. E, por conta disso, a UBS – Unidade Básica de Saúde – precisa utilizar algumas táticas primordiais para completar o esquema vacinal desses pacientes.

Uma estratégia utilizada que se tornou bastante eficaz foi a busca ativa. Ela acontece da seguinte forma: o profissional de saúde verifica através do sistema de dados utilizado pelo SUS – Sistema Único de Saúde – e após localizar um paciente com o esquema vacinal em atraso, esse profissional acessa os dados como contato telefônico e endereço, por exemplo. Se não conseguir falar com o responsável através desse contato, o profissional se desloca até a casa desse paciente para conferir o atraso na carteira de vacinação e aplicar a vacina ou orientar a comparecer à UBS para atualizar o cartão de vacina. É todo um processo de trabalho que conta com o desempenho de vários profissionais.

Membros da equipe Pata Choca saindo da UBS prontos para a visita domiciliar. Foto: Ramon Vellasco / Observatório de Favelas

O paciente também tem o seu papel: Em caso de mudança de telefone ou de residência, ele deve se dirigir, imediatamente, à unidade de saúde para atualizar o cadastro de sua família. Também é importante que o responsável saiba onde está guardado o cartão vacinal da família. A sugestão é que ele esteja em um local de fácil acesso para que não atrase o trabalho dos profissionais, que precisam se deslocar para outras residências no mesmo dia. Outra medida fundamental para o sucesso da busca ativa é o comparecimento do paciente à unidade para atualizar o cartão de vacina, seguindo as orientações do profissional de saúde que realizou a visita domiciliar.

Mas a busca ativa tem outro propósito além da captação dos não vacinados. Ela é usada também para aproveitar todas as doses do frasco de imunizante que foi aberto, no intuito de evitar que o restante das doses se perca devido ao prazo de validade após a abertura. Este tempo varia de 6h a 10h. É uma forma de evitar o desperdício e também vacinar quem precisa.

Atualmente, o SUS disponibiliza 19 tipos de vacinas para a atualização do calendário de rotina da população, todas de extrema importância para manter o controle e a redução de doenças imunopreveníveis e também necessárias para diminuir a contaminação de doenças infecciosas que podem levar à morte. E para quem ainda não tem conhecimento de quais são, aí vai uma colinha:

Não são poucas as doenças que podem ser evitadas com uma simples e importante atitude: a vacinação. E para isso a população pode contar com os serviços ofertados de forma gratuita pela Atenção Primária, também conhecida como a porta de entrada para acessar ao Sistema Único de Saúde. A APS – Atenção Primária à Saúde – está sempre utilizando estratégias de prevenção e promoção à saúde, todas com o intuito de melhorar a qualidade de vida da população. Além disso, há o trabalho do Programa Nacional de Imunização (PNI), que é responsável por coordenar e sistematizar as ações de vacinação do país.

Uma campanha que teve grande êxito foi a “Vacina Maré”, uma iniciativa da Fiocruz em parceria com a organização não governamental Redes da Maré e a Prefeitura do Rio. Mais de 30 mil pessoas foram vacinadas. Foi um verdadeiro mutirão de vacinação. A campanha alcançou grande parte da população mareense e se tornou referência para outros bairros. A Maré é um território composto por um conglomerado de bairros, favelas e conjuntos habitacionais, com cerca de 140 mil moradores. E para que o esquema vacinal desses pacientes seja realizado por completo, o SUS conta com os Centros Municipais de Saúde e as Clínicas da Família, que cobrem esse extenso território. Atualmente, são 7 postos da APS. Um deles é o CMS Vila do João, que tem um total de 33.993.00 pacientes cadastrados (temporário e definitivo). Mas desses, 11.431 estão com a vacina em atraso. Entre esses pacientes, 335 crianças de até seis anos precisam atualizar o cartão de vacinas.

O Coordenador Geral da Atenção Primária Thiago Wendel, responsável não só pela Maré, mas também por outros 27 Bairros que a Coordenadoria de Saúde da Área de Planejamento 3.1 – CAP 3.1 – atende, diz que, atualmente, o município do Rio de Janeiro tem uma cobertura vacinal de 56%, e que a meta desejada pelo Ministério da Saúde é de 95%. Segundo o coordenador, parte do problema acontece por causa da resistência da população em procurar a unidade para se vacinar. Um comportamento que aumenta a possibilidade do retorno das doenças já erradicadas no país, como aconteceu com o sarampo.

Entrevista com coordenador geral Thiago. Foto: Ramon Vellasco / Observatório de Favelas

A poliomielite, responsável por causar a paralisia infantil, também está deixando os profissionais da saúde em alerta. Devido à baixa na procura, a doença que não apresenta nenhum registro de caso há mais de 30 anos, pode retornar. Thiago mostra sua preocupação com isso: “A gente quer vacinar a população para evitar que essas doenças que já foram erradicadas voltem”.

É importante que a população tenha consciência que a falta dessas vacinas aumenta a probabilidade de casos e surtos. O calendário vacinal protege contra mais de 40 doenças. E os profissionais têm se articulado para aumentar a cobertura vacinal. Thiago conta que a Coordenadoria da Atenção Primária 3.1 tem desenvolvido algumas iniciativas para fortalecer o trabalho da Atenção Primária: “A nossa estratégia foi aumentar o número de visitas e de vacinadores”, esclarece.

O coordenador explica que contratou novos profissionais no intuito de elevar esse quantitativo. Focando nessa estratégia, aumentaram o número de Agentes Comunitários de Saúde de 4 para 6 por equipe, porque são eles que conhecem o território e podem encontrar os pacientes que não se vacinaram. Outra contratação fundamental foi a de técnicos de enfermagem, que são os principais vacinadores. Com isso espera-se que o ano de 2023 venha com melhores indicadores de saúde. O coordenador destaca também o papel da Atenção Primária como a principal porta de entrada do SUS, que contribui na redução dos gastos públicos na saúde porque quanto mais se investe na área, mais se reduz os casos de internação e hospitalização. A AP tem como seu principal dever diminuir a mortalidade materna e infantil, e a vacinação é um método que só tem a somar nesse cuidado.”

Os desafios são imensos, mas Thiago está otimista para o novo ano que se inicia:

“A gente quer de fato melhorar a qualidade de vida dessa população, cuidar dessa população para diminuir esse sofrimento. A gente já vacinou, a gente tem condições de trabalhar, a gente tem uma equipe completa, então agora chegou a hora de apresentar a resposta para a população. Em 2023 a gente vai apresentar resposta para a população do que ela tanto precisa, que ela tanto almeja.”

O coordenador complementa:

“A AP31 é uma das maiores, com aproximadamente 1 milhão de habitantes em todo o território. Minha expectativa é estimular boas práticas, e fazer coisas boas para as pessoas olharem e se inspirarem, a gente quer produzir experiências exitosas para as pessoas copiarem. A qualidade das unidades é igual , a gente pensa em um SUS que seja um padrão para todos, que todas sejam muito boas. É isso, provocar os outros territórios. Melhorar os indicadores de saúde”.

O coordenador enfatiza a importância de outras ações no intuito de mobilizar a população para comparecer às Unidades de Saúde, como a divulgação por parte de outras redes e meios de comunicação popular. Ele destaca ainda que esse apoio surte até mais efeito que os meios de comunicação de grande repercussão:

“ Mais do que divulgar na televisão e rádio, eu acho que precisa de os dispositivos locais fazerem parte do processo. Observatório de Favelas, Maré de Notícias, Voz da Comunidade… aqui tem exemplos bacanas. Todas as redes locais se mobilizando isso iria ajudar muito”.

Ele também cita a importância do trabalho da rádio comunitária e de outras fontes de informação como o rapaz que passa com som anunciando, as Associações de Moradores e as ONGs. Para Thiago, esse trabalho de divulgação popular e territorial tem um retorno melhor que qualquer outro.

Uma das Unidades Básicas de Saúde administradas por Thiago é o Centro Municipal de Saúde da Vila do João, onde trabalham 77 funcionários. O serviço é prestado por 6 equipes, formadas por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, 6 Agentes Comunitários de Saúde e profissionais da saúde bucal. Quem comanda essa equipe é a gerente Ana Rosa Sodré Nogueira, que está coordenando o CMS VJ, localizado na Vila do João.

ACS Elaine pedindo a sua paciente Jéssica a foto do cartão de sua filha. Foto: Ramon Vellasco / Observatório de Favelas

Sou Agente Comunitária de Saúde há mais de 14 anos nesta unidade de saúde e durante esse período realizei diversas buscas, algumas delas com o enfermeiro Severino Raminho, destas quero destacar uma que me deixou bem feliz por conta do seu desfecho. A busca ativa foi realizada na casa de uma senhora que tinha medo da reação da vacina contra covid e por esse motivo não compareceu na data marcada para receber o reforço, mas após o nosso trabalho de conscientização e incentivo, a paciente entendeu a importância de se imunizar. A vacina foi aplicada na mesma hora, ainda em sua residência e ela ainda nos permitiu filmar a aplicação da vacina e publicar nas redes sociais da unidade de saúde. Com o trabalho executado, retornamos para a Unidade Básica de Saúde com a sensação de dever cumprido, pois mais uma paciente ficou protegida contra a Covid-19.

A odontologia também atua na busca ativa, o dentista Márcio Leon é um dos profissionais dessa categoria que apoia o nosso trabalho, tanto na captação oportuna dos não vacinados durante as visitas domiciliares, a exemplo disso foram as que realizamos com a presença da vacinadora, a técnica de enfermagem Jacira Ribeiro da Silva, para a aplicação da vacinação contra a covid aos idosos restritos ao lar ou acamados. Todas realizadas com sucesso, já que esses pacientes estão sempre presente em suas residências, devido a dificuldade de locomoção.

Dentista Márcio nos preparativos para a vacinação nas residências. Foto: Ramon Vellasco / Observatório de Favelas

Também fiz algumas buscas com Jacira onde obtivemos êxito, durante as visitas às residência foi verificado o status vacinal da família e ao identificar atraso foram feitas as orientações e informações ao responsável da família no intuito de conscientizar quanto a importância dos pais e responsáveis estarem atentos às datas marcadas de lápis no cartão vacinal, sinalizando o retorno da criança para que a próxima vacina seja aplicada dentro do prazo. Uma das casas que realizamos este trabalho foi a de Indiara Rodrigues da Costa, 44 anos, a busca foi feita por causa do atraso no cartão de vacina de sua filha. A responsável conta que não tinha levado seu bebê para vacinar porque estava resfriado. Ela foi orientada e ficou satisfeita com a visita:

“Eu acho que ter essa atenção nas vacinas é muito importante’. Quando um agente se preocupa, nos chama mais atenção em manter todas as vacinas em dia.”

Jacira relata que sempre orienta a mãe quanto a necessidade e a importância das vacinas, diz que explica para quê serve cada vacina, e enfatiza ao responsável quanto aos riscos que a criança corre quando a vacina não é aplicada no prazo e completa: “É melhor furar o filho e ele chorar do que depois ele ficar com uma doença”. A técnica revela uma situação curiosa que aconteceu durante uma de suas visitas domiciliares para busca ativa, onde a mãe falou que tinha perdido o cartão do filho, porém, após a insistência da profissional e a mãe disse que só tinha um papel, que a técnica pediu para ver. Era o próprio cartão de vacinação do bebê que, como já era de se esperar, estava com a vacinação em atraso. Jacira então orientou a mãe a comparecer ao posto de vacinação alguns dias depois. A mãe levou a criança, que foi vacinada. “E mais uma busca ativa foi bem sucedida”, lembra a técnica.

Técnica Jacira na sala de vacinação. Foto: Ramon Vellasco / Observatório de Favelas

A busca também acontece por contato telefônico ou mesmo por whatsapp, quando necessário. Isso ocorre com frequência com uma família que eu acompanho. Me refiro à paciente Jéssica Corlet Menezes, 26 anos. Ela trabalha muito e tenho muita dificuldade em encontrá-la em casa, mas isso não me impossibilita de realizar esse monitoramento. Pelo menos uma vez por mês, me comunico com ela por whatsapp e peço que mande a foto comprovando a vacinação, sempre que atualizada. A paciente fica muito satisfeita, pois assim acaba se lembrando de olhar a caderneta do filho. Ela sempre me agradece:

“Pra mim o serviço de vocês é excepcional, porque às vezes, realmente, a gente… com a correria da vida, trabalho, casa, criança e tudo mais, acaba esquecendo das coisas que tem que fazer. Você que sempre me lembra das vacinas, sempre consigo deixar em dia”. E completa: “O serviço de vocês é maravilhoso. Se não fosse por vocês ficaria difícil”.

Mais uma paciente contente, outro sucesso da operação busca ativa. E o trabalho não para, vamos continuar na luta pelo aumento das coberturas vacinais em todo o país, um grande desafio para o novo ano!

 

*Elaine Lopes é Agente Comunitária de Saúde e criadora do blog ” Na Onda da Maré”. Elaine foi selecionada através do “Como se Proteger do Coronavírus – Programa de Reportagem”.

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