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“Estado que Mata Nunca Mais”: um ano de luta

Por: Alan Miranda (alan@observatoriodefavelas.org.br)

Foto de Capa: Davi Marcos/Observatório de Favelas

A chacina que aconteceu na Maré na madrugada de 24 para 25 de junho de 2013 completou um ano há poucos dias. A versão oficial na época, dizia que após uma manifestação na Avenida Brasil, um grupo teria se aproveitado e assaltado os manifestantes e esse mesmo grupo teria entrado na Rua Teixeira Ribeiro, um dos acessos à favela da Nova Holanda, no Complexo da Maré. Houve intensa troca de tiros e, durante a ação, o sargento do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Ednelson dos Santos Silva foi baleado e morto. A partir daí, o Bope promoveu uma incursão na favela, que resultou na morte de mais nove pessoas.

Na semana seguinte ao ocorrido, moradores, estudantes, artistas, ativistas e gente de todo canto da cidade promoveram o ato ecumênico “Estado que Mata Nunca Mais”, manifestando repúdio à ação da polícia e cobrando do Estado uma retratação. A mobilização da comunidade e de instituições locais ajudou a evitar que houvesse mais vítimas e estimulou as investigações da Polícia Civil, através da Divisão de Homicídios.

Encenação durante Ato Ecumênico, que reuniu 5 mil pessoas na Maré.  Foto: Elisângela Leite/Redes da Maré
Encenação durante Ato Ecumênico, que reuniu 5 mil pessoas na Maré.                                                         Foto: Elisângela Leite/Redes da Maré

Entretanto, um ano após a ação policial que resultou na morte de 10 pessoas, a Divisão de Homicídios da Capital limita-se a responder, através de nota oficial: “os inquéritos estão em fase de conclusão”. Dois anos atrás, essas mortes provavelmente seriam classificadas como “autos de resistência”. Em dezembro de 2012, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, publicou uma resolução nacional que “dispõe sobre a abolição de designações genéricas, como ‘autos de resistência’, ‘resistência seguida de morte’, em registros policiais, boletins de ocorrência, inquéritos policiais e notícias de crime” (Resolução nº 8, de 20 de dezembro de 2012). Para o Conselho, o termo “auto de resistência” pressupõe, antes de qualquer investigação e comprovação do que ocorreu, que houve resistência por parte do cidadão que foi ferido ou mesmo morto em decorrência da ação policial.  Em janeiro de 2013, foi publicada uma portaria no Rio de Janeiro que estabelece o fim do uso da categoria “auto de resistência”, o que constitui um avanço. Desde então, estas mortes passaram a ser classificadas como “homicídios decorrentes de intervenção policial”. A mudança de nomenclatura ainda não foi suficiente para impulsionar  processos de investigação mais efetivos destes casos. Mas a sociedade civil continua mobilizada em relação a este tema.

Constantemente a favela é retratada como território de conflitos armados, como espaço perigoso e violento. Esse tipo de representação também não deixa de ser uma violência, pois mesmo perante situações como essas, em que o Estado falha na garantia de direitos em territórios populares, a favela é capaz de produzir um ato potente, de encontro e mobilização.
A chacina completa um ano, mas também o Ato Ecumênico “Estado que Mata Nunca Mais”, que foi capaz de promover uma mobilização, de dar visibilidade aos dilemas vividos na Maré. As questões de segurança pública no Rio de Janeiro estão longe de uma resolução, mas algumas conquistas foram possíveis de lá pra cá: diversas organizações nacionais e internacionais ligadas à defesa do direito à vida e à segurança pública tomaram conhecimento e se solidarizaram com a causa; os canais de diálogo entre a população e o Estado aumentaram, para citar alguns avanços. Para o sociólogo Eduardo Alves é preciso mudar a estratégia, de uma ação militar de conquista do território pela guerra para uma política de segurança que defenda a vida. “Mas é importante destacar que temos capacidade de reagir frente a essa ação desastrosa, inconsequente. A favela conseguiu se unificar, ganhar visibilidade, reagiu, mostrou que não é passiva, e que podemos transformar a dor em encontros de alegria”, destacou Alves.

Um dos organizadores do Ato Ecumênico e diretor da organização civil Redes de Desenvolvimento da Maré, Edson Diniz acredita que explorar a potencialidade criativa, sobretudo dos jovens, é uma alternativa válida para combater as injustiças. “A história da Maré, por exemplo, é rica em resistência e na resolução dos problemas na favela. Eles conseguiram resistir a remoções do Estado, tentam resolver os problemas, por vezes, sem apoio. Nós tentamos trabalhar com iniciativas que gerem consequências, não só fazendo denúncias ou críticas, como o próprio ato que reuniu cinco mil pessoas… a ideia é fazer a denúncia, mas também dizer o que a gente queria”, observou Edson.

Apesar da trágica memória ainda fresca, resta lutar para que episódios como esse não se repitam. É preciso fazer pressão constante nas esferas políticas, a fim de que as propostas e desejos impressos em placas de protesto assumam a agenda das políticas de segurança pública do país. A favela é um espaço de potência, de ação, muito antes de ser pintada no imaginário social como lugar de violência. Através do Ato Ecumênico, de proposições de políticas públicas, intervenções e criação de novos canais de diálogo, a favela se mostra, não para negar que ainda tenha seus direitos violados, mas para afirmar-se como espaço ativo e vivo.

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