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O Patrimonialismo Institucional e seu papel na reprodução da desigualdade brasileira

Por Jailson de Souza e Silva*

Rio de Janeiro – Tenho enfatizado, na perspectiva de análise da sociedade brasileira, que a estrutura de reprodução das desigualdades que a tornam uma das mais perversas do mundo se sustenta no racismo e no patrimonialismo institucionais. Se o termo racismo institucional se tornou comum no campo dos estudos sociais, a noção de patrimonialismo institucional não é usual. Com efeito, quando pensamos em patrimonialismo, tendemos a imaginar as formas como indivíduos se apropriam, muitas vezes através de esquemas ilegais ou imorais, dos recursos públicos/estatais e os transferem para grupos sociais específicos. Desse modo, o combate ao patrimonialismo se sustentou historicamente em juízos éticos/morais, que denunciam as formas arcaicas de sustentação do capitalismo brasileiro e defendem o rigor das leis para evitar práticas como o nepotismo, fisiologismo e o clientelismo. Teríamos, então, a luta entre o moderno e o arcaico como a base dos polos na perspectiva de construção republicana.

O juízo legalista/moral, todavia, não leva em conta as formas institucionais contemporâneas que fazem com que grande parte da riqueza nacional seja capturada pelo Estado – em suas diversas instâncias – e transferida para os grupos sociais mais ricos da população, não casualmente formado por uma imensa maioria branca. Esse tipo de patrimonialismo se reproduz a partir de uma série de premissas, que se explicam por si mesmo, sem nenhuma conexão com a realidade. A primeira delas é a meritocracia. Nessa perspectiva, que se tornou ideológica, as pessoas ocupariam as melhores posições na burocracia estatal, por exemplo, por serem mais competentes. Não casualmente, são os brancos, de origem de classe média e homens, em geral, que ocupam os postos mais altos em todas as instâncias de poder do Estado – seja no Executivo, no Judiciário ou no Legislativo – e no Mercado. Naturalmente, as formas de reprodução das posições nessas instâncias são derivadas muito mais, nos termos de Pierre Bourdieu, dos capitais social, político, econômico e simbólico, dentre outros, do que de qualquer mérito individual que o agente tenha.

Outra premissa hegemônica seria uma determinada forma de “racionalidade econômica”. O exemplo mais evidente se coloca no campo da política monetária: é sabido que o pensamento econômico ortodoxo brasileiro aumenta os juros imediatamente diante do risco de aumento da inflação, mas o baixa muito lentamente, mesmo quando a inflação está controlada. Ora, o custo econômico do pagamento de juros é imenso e beneficia especialmente os rentistas – não casualmente, os grupos sociais mais ricos e brancos. O mesmo ocorre em relação ao acesso a empréstimos com juros subsidiados do BNDES e outros bancos públicos – eles beneficiam, em sua grande maioria, empresários ou fazendeiros brancos e homens.

A terceira premissa seria a existência de uma dimensão “técnica” na gestão pública. No caso, o que vemos é a priorização de investimentos em determinados territórios e dirigidos aos interesses dos mesmos. Os recursos estatais aplicados na Barra da Tijuca, por exemplo, geraram uma grande valorização daquela região na cidade, em detrimento dos investimentos necessários, especialmente, nas áreas mais empobrecidas.

Por fim, para não ser exaustivo, a quarta premissa seria a “neutralidade” do Estado em relação à política tributária do Brasil – todos os brasileiros pagariam muitos impostos. Todavia, é sabido que ela é uma das mais regressivas do mundo, fazendo com que os grupos sociais mais ricos paguem menos impostos que os grupos sociais com menor renda relativa e absoluta.

Portanto, reconhecer a importância do patrimonialismo institucional na reprodução da desigualdade e manutenção das consequências do racismo nos ajuda a ir além na crítica às velhas práticas arcaicas das oligarquias que dominaram classicamente a sociedade brasileira; devemos avançar no desvelamento das formas “modernas” de gestão do Estado e do Mercado que reproduzem o incessante processo de transferência das riquezas nacionais para os grupos sociais brancos, suas instituições e seus territórios.

* Jailson de Souza e Silva é Fundador do Observatório de Favelas e Diretor Geral do Instituto Maria e João Aleixo

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