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“A gente não quer que essa tradição morra”: A luta das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão

Movimentos valorizam saberes tradicionais e lutam pelos direitos de mulheres que atuam na quebra do coco babaçu no nordeste do país.

Por Maíra Soares

Acordar de madrugada, ir para os babaçuais mais próximos e passar o dia extraindo o sustento da família. Assim é a rotina diária das mulheres que sobrevivem da quebra do coco babaçu no Maranhão.

O babaçu é uma palmeira que produz um coco e infinitas variedades de produtos. Da castanha é possível produzir o óleo de babaçu. Presente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a palmeira é típica em zonas de transição entre florestas úmidas da bacia amazônica, do cerrado e caatinga.

O óleo extraído é usado para a fabricação de sabonetes, cosméticos, gorduras especiais e a farinha do mesocarpo do babaçu, que pode ser usada em receitas. Além disso, com o endocarpo pode-se fazer carvão. E não podemos esquecer que o babaçu rende peças artesanais, como brincos, colares, pulseiras, cestos, peças de decoração e outros ornamentos.

O babaçu é uma palmeira que produz um coco e infinitas variedades de produtos. Foto: Ingrid Barros / MIQCB.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que foram produzidas 30.478 toneladas de babaçu em 2022 no Brasil. O valor da produção ficou por R$ 71.295 mil, sendo o maior produtor do estado do Maranhão.

Marise dos Reis Ribeiro, 70 anos, começou a quebrar coco babaçu aos 9 anos e ficou até os 40 anos exercendo a atividade. “É bem difícil a luta de quebrar coco, mas eu gostava. Eu vivia de quebrar coco. Eu quebrava o coco, vendia o bago do coco, fazia carvão da casca, tirava azeite também, fazia sabão. Tudo eu fazia para me manter, eu e a minha família”, afirma.

Dona Marise teve que parar com a quebra do coco porque no município de Campestre, onde reside há 40 anos, os locais com as palmeiras deram espaço para os plantios de cana de açúcar.

Já a sua irmã Maria Luísa Ribeiro, 68 anos, começou a quebrar coco babaçu com 8 anos e teve que parar de exercer a atividade com 50 anos devido a problemas de saúde.

A sua rotina consistia em sair às 7h ou 8h da manhã e chegar às 17h da tarde. “Dá mesmo somente para a gente sobreviver. Era a renda que a gente tinha, do coco babaçu.”, afirma.

Irmãs quebradeiras de coco, dona Marise, 70 anos, e dona Maria, 68 anos, respectivamente. Foto Arquivo pessoal.

Comunidades tradicionais 

As quebradeiras de coco babaçu estão entre as identidades étnicas brasileiras reconhecidas como comunidade tradicional.

Segundo o inciso I Art. 3º Decreto 6.040/2007, povos e comunidades tradicionais são “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.

A sua relação com o território e, principalmente, com a sua matéria-prima é essencial para as pessoas que compõem essa comunidade. A terra se torna coletiva para a comunidade. 

Sendo a quebra do coco babaçu uma atividade majoritariamente feminina, há a presença de coletivos ou associações em municípios do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, que são os estados brasileiros onde estão localizadas essas comunidades tradicionais.

Quebra do coco babaçu 

A quebradeira de coco Áurea Maria, 60 anos, afirma que a necessidade de obter sustento pela falta de cuidado do seu primeiro marido a fez encontrar na quebra da amêndoa do babaçu a  sua principal fonte de renda. Vivendo há 37 anos em Codó, um dos municípios do estado do Maranhão, começou a trabalhar em roças com o pai. Com 18, começou a fazer a quebra do coco.

As quebradeiras de coco babaçu estão entre as identidades étnicas brasileiras reconhecidas como comunidade tradicional. Foto: Arquivo MIQCB.

Atualmente presidente da Associação Comunitária dos Trabalhadores do Beneficiamento do Babaçu e coordenadora do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) da Região Mearim-Cocais, dona Áurea afirma que seu objetivo é trabalhar e lutar pela vida das quebradeiras de coco babaçu.

O MIQCB é um dos movimentos que atuam na proteção das mulheres quebradeiras de coco e promovem a valorização dos conhecimentos tradicionais e da cultura local e regional.

A organização tem como missão “organizar as quebradeiras de coco babaçu para que conheçam seus direitos”, promovendo a autonomia política e econômica em defesa dos territórios e das quebradeiras.

Além disso, as quebradeiras de coco foram homenageadas pela escola de samba de São Paulo, a Pérola Negra, no Carnaval deste ano. Com o samba enredo intitulado “Pérola no Encanto dos Balaios das Quebradeiras”, a homenagem traz visibilidade para a causa.

 

 

Em matéria para o MIQCB, Maria Alaídes, coordenadora geral do movimento, destaca a importância do momento. “Estamos muito contentes de ter nossa história contada para milhões de pessoas através da escola de samba. Esperamos que através da visibilidade que teremos no carnaval de São Paulo, as nossas lutas possam ganhar força. Queremos a preservação e proteção dos babaçuais, precisamos de livre acesso ao babaçu, políticas de incentivo a comercialização dos produtos do babaçu e políticas de regularização fundiária de territórios coletivos de quebradeiras de coco babaçu, além da preservação do nosso modo tradicional de vida”.

Dificuldades 

As principais dificuldades na quebra do coco babaçu se resumem à falta de preservação das palmeiras e as longas distâncias para realizar o trabalho.

Quebradeira de coco Áurea Maria, 60 anos, começou a quebra do coco aos 18 anos. Foto: Arquivo pessoal.

“Só Deus sabe se nós vamos demorar tendo babaçu em pé porque as derrubadas estão muito grandes. A gente está lutando, o MIQCB está lutando, pela Lei do Babaçu Livre”, afirma Áurea.

A Lei do Babaçu Livre presume o livre acesso das quebradeiras às palmeiras de coco babaçu, inclusive em propriedades privadas. Também proíbe o envenenamento, derrubada, queimada e outras medidas que protegem o babaçu.

Apesar de não haver lei federal, o estado do Tocantins possui uma lei estadual e diversos municípios no Maranhão e Pará conquistaram a aprovação de leis relacionadas.

Atualmente Áurea não vive diretamente da venda dos produtos originários do babaçu, mas continua na luta pela melhora dos direitos da sua comunidade.

As quebradeiras de coco possuem um caminhão, doado pelo ex-senador Roberto Rocha para a comunidade, em que a prefeitura do município de Codó se responsabiliza pelo pagamento da troca de óleo, motorista e manutenção.

Isso se dá porque elas precisam se deslocar para depois do Povoado KM 17, que fica longe da casa dessas mulheres. Desde 1987 que a prefeitura tem a parceria com as quebradeiras de coco babaçu por causa da necessidade da comunidade.

Participação ativa dos jovens 

Dona Áurea também destaca a necessidade da participação dos jovens no engajamento das lutas do campo, da agroecologia e, principalmente, na defesa das tradições das quebradeiras de coco babaçu em eventos nacionais e regionais.

“Nós estamos com essa falta, com essa necessidade porque aqui são poucas jovens que participam. A gente queria a participação na associação, que [os jovens] tivessem participando dos eventos, estivesse à frente de várias coisas como a gente vê em outros lugares”, conclui.

As principais dificuldades na quebra do coco babaçu se resumem à falta de preservação das palmeiras e as longas distâncias para realizar o trabalho. Foto: Márcio Vasconcelos.

A luta por direitos, pela preservação do meio ambiente e pelo repasse da tradição das quebradeiras de coco babaçu continua forte, com mulheres agrupadas em movimentos, associações e coletivos pelo Nordeste.

O MIQCB é um exemplo desses movimentos que lutam e representam os interesses econômicos, políticos e sociais do grupo, valorizando o conhecimento das guardiães do babaçu e promovendo a preservação da memória, cantos e conquistas de direitos para a sociedade.

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* Maíra Soares é jornalista formada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e reside em Imperatriz, cidade localizada no estado do Maranhão. Atualmente colabora como repórter na Eco Nordeste. Maíra foi selecionada através do edital Brota no Notícias.

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