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Agenda coletiva de prevenção e enfrentamento à letalidade juvenil no estado de Alagoas

Jovens e sociedade civil se mobilizam para dialogar sobre segurança pública, proteção da juventude e redução da letalidade em Alagoas.

Por José Roberto da Silva Alves*

Historicamente o Estado de Alagoas é um dos mais perigosos para a população negra. Basta olhar para os dados estatísticos da própria Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL), que constatamos a dura e desafiadora realidade que a juventude preta e periférica, principais vítimas, enfrentam diariamente.

No ano passado, em 2022, ocorreram 1188 crimes violentos letais e intencionais – CVLI´s, vitimando em sua maioria jovens entre 15 a 29 anos de idade (47,8%), pretos e pardos, que foram mortos próximo de sua residência ou nas imediações em via ou locais públicos, conforme aponta os dados da SSP/AL.

Nesse sentido, vale trazer um acontecimento recente, em que o governo de Alagoas celebrou o fato de o estado não possuir nenhuma cidade na lista das 50 cidades mais violentas do país. Dado este, divulgado recentemente na 17° edição do Anuário de Segurança Pública, que é produzido e publicado anualmente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Entretanto, Arthur Lira, Advogado do CEDECA Zumbi dos Palmares¹, alerta:  “Há reflexões importantes a fazer. É bem verdade que Maceió e Arapiraca – as duas maiores cidades do Estado – não estão entre as 50 cidades mais violentas, que já é um fruto metodológico, de um estudo do próprio anuário. É um fato louvável. Entretanto, Alagoas está entre os sete (7) estados em que houve aumento dos casos de violência intencional, bem como é o quarto (4) estado mais violento, nos números de mortes violentas intencionais. Então, é evidente que este retrato nos revela que nós permanecemos, enquanto Alagoas, sendo um local bastante perigoso. E quando olhamos com mais detalhes o perfil da vítimas, percebemos, são jovens, homens e negros, esse recorte é muito evidente, tanto no cenário nacional e mais ainda no cenario local aqui de Alagoas”.

O próprio caso de Jonas Seixas da Silva, 32 anos, constata bem essa realidade violenta a qual a população preta e periférica está submetida. Noticiado amplamente na imprensa local. Jonas foi mais uma vítima do sistema. Levado durante uma abordagem policial dita de “rotina”, em 2020, no bairro do Jacintinho – um dos bairros periféricos mais populosos da cidade, próximo ao centro-, Jonas foi colocado na mala de uma viatura e até hoje não foi encontrado. Os policiais autores foram identificados e levados a júri popular em março deste ano, sendo sentenciados, mas recentemente tiveram a prisão preventiva substituída por medidas cautelares que lhes puseram em liberdade, com medidas mais brandas.

É diante desse cenário estarrecedor que surge em outubro de 2021, a necessidade de mobilização das organizações da sociedade civil, grupos de adolescentes e jovens, coletivos e outros atores que compõem a rede de proteção para criação de uma agenda coletiva de prevenção à violência letal juvenil do Estado de Alagoas. A agenda tem o objetivo de pautar o problema da violência que afeta sobretudo a juventude negra, de modo a contribuir para a ampliação do diálogo entre sociedade civil e atores governamentais a respeito de temas como segurança pública; proteção da infância, adolescência e juventude; espaços de lazer e coletividade; e outros que impactem na redução da letalidade juvenil.

Jovens em 1° Seminário de Enfrentamento à letalidade juvenil. Foto: Luiz Henrique

Neste processo de construção dessa agenda, a Organização Visão Mundial² teve um papel central na provocação e convocação da juventude que compõe o Movimento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP Brasil), para mobilizar seus pares e outros atores sociais em torno do tema.

Segundo Ellen Bomfim, integrante do MJPOP Brasil e articuladora do Fórum Popular de Segurança Pública de Alagoas (FPSP/AL), “a agenda de prevenção foi criada pela juventude, para que a  juventude participe. Para que nós possamos ser os atores principais da construção dessa política que nos represente”.

Outras organizações que lideram esse processo são o Fórum Popular de Segurança Pública de Alagoas e o Fórum Popular do Nordeste de Segurança Pública, iniciativas da sociedade civil com o objetivo de fomentar e incidir sobre o debate da política de segurança pública numa perspectiva popular.

“O fórum popular de segurança pública entra justamente nesse contexto, quando a gente diz que quer criar uma segurança pública, num modelo popular, criado a partir das bases, entendendo a necessidade de cada território, de acordo com suas especificidades”, pontua Ellen Bomfim “A gente precisa de atores que também estejam conosco. Então, juntar essas duas agendas: prevenção e enfrentamento à letalidade e a de segurança pública, foi de fundamental importância para que nós possamos nos fortalecer enquanto coletivo e juventude.”

O Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares – CEDECA também integra e lidera a agenda. A instituição nasceu em 1992, a partir da articulação nacional de meninos e meninas de rua, tendo como missão promover os direitos humanos universais nas suas múltiplas dimensões, em especial a proteção dos direitos da criança e do adolescente, e de grupos socialmente excluídos. A agenda aborda seis eixos temáticos que incluem questões relacionadas à adolescência, exposição a drogas, mídia, inclusão escolar, diversidade e sistema de justiça.

A realização de oficinas nos territórios estão entre as principais ações desenvolvidas na agenda de prevenção e enfrentamento. Foto: Arquivo CEDECA Zumbi dos Palmares

A agenda possui seis eixos temáticos, a saber: 1. Adolescência e sistema socioeducativo; 2. Exposição de adolescentes e jovens às drogas lícitas e ilícitas; 3. Mídias e a construção da imagem dos adolescentes na periferia; 4. Exclusão/inclusão escolar; 5. gênero, raça, classe e diversidade sexual; 6. Sistema de justiça.

Abaixo uma síntese da linha do tempo com as principais ações e atividades que foram desenvolvidas na agenda de prevenção e enfrentamento:

Reuniões coletivas da agenda de prevenção

A mobilização iniciou em outubro de 2021, com reuniões mensais até abril de 2022.  Em abril de 2023, o grupo retomou suas atividades, reunindo-se mensalmente, para destacar a violência letal como uma prioridade na agenda governamental, envolvendo representantes de diversas organizações, incluindo a participação de  adolescentes e jovens.

Reuniões da agenda coletiva de prevenção e enfrentamento à letalidade juvenil. Foto: Arquivo CEDECA Zumbi dos Palmares

Oficinas e pré-conferências populares de segurança pública nos territórios periféricos

A realização de atividades nos territórios periféricos com maior número de violência letal mobilizaram mais de 300 participantes, representantes dos diversos segmentos da sociedade civil para pautar o tema da violência letal e segurança pública numa perspectiva popular e crítica, buscando assim, capacitar os participantes e construir estratégias coletivas de superação da violência, além de fortalecer esse movimento de base.

Seminários temáticos

Os seminários foram uma das estratégias utilizadas para mobilizar representantes da sociedade civil e poder público em torno do tema. A primeira edição foi realizada em novembro de 2021, com a participação de 50 pessoas. O segundo, em abril de 2022, contou com cerca de 80 participantes e o mais recente, aconteceu em 02 de agosto, com o tema “Juventude Tem Pressa Por Direitos”, mobilizando mais de 120 representantes de diferentes organizações da sociedade civil, movimentos sociais e coletivos, contando com uma programação diversa que incluiu duas mesas de debate, apresentação cultural e de freestyle, além de um espaço amplo para interação entre os participantes.

Seminário “Juventude Tem Pressa por Direitos” mobilizou representantes de diferentes organizações da sociedade civil, movimentos sociais e coletivos. Foto: Luiz Henrique

Ações de advocacy

  • Projeto de Lei de Enfrentamento à Letalidade Juvenil na Cidade de Maceió, protocolado em setembro de 2022, em parceria com a Vereadora Teca Nelma. É uma legislação para que o município de Maceió elabore um plano específico, estruturado, com orçamento previsto e que impacte na prevenção e redução dos números de violência letal;
  • No âmbito do Ministério Público de Alagoas, diálogo com a Promotora Dr. Karla Padilha, que é responsável Titular da Promotoria de Controle Externo da Atividade Policial da capital, para elaborar proposta de monitorar os casos de violência policial que acontecem em Maceió.
  • Diálogo e entrega do Manifesto a Juventude Negra Alagoana quer Viver, ao Desembargador Tutmés Airan do Tribunal de Justiça de Alagoas – TJ/AL;
  • Criação de um grupo de trabalho formado por professores da Universidade Federal de Alagoas, articulador juvenil do CEDECA Zumbi dos Palmares e Fórum Popular de Segurança Pública de Alagoas, para elaboração da Minuta de Criação do Observatório da Violência, realizada entre a equipe do Desembargador para que pleiteasse a captação de recursos.

 

Destacar a participação do público infantojuvenil na construção coletiva dessa agenda é fundamental, conforme aponta Sarah Luanne, 18 anos, da Associação da Criança e do Adolescente da Chã de Bebedouro³: “A participação da juventude nesses eventos, nesses espaços, nessas agendas, nessas causas, são totalmente importantes. A gente precisa ser ouvido. A gente precisa continuar lutando pelo que a gente acredita. É totalmente importante e é muito bom ver que existem crianças, adolescentes e jovens que estão dispostos a tentar lutar por um mundo melhor.”

Portanto, dada a importância dessa iniciativa e do imenso desafio que é tocar uma pauta como essa, as articulações para continuidade da agenda seguem acontecendo de maneira estratégica, com a perspectiva de impactar na redução dos homicídios, bem como em outras formas de violência. Porém, isso só é possível com a junção de diversos atores, sobretudo o público infantojuvenil, principais atores nesse processo, em prol desse objetivo comum. Com o devido comprometimento a tarefa obterá êxito.

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¹ Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares

² Organização Internacional que atua no Brasil desde 1975 com foco nas crianças e adolescentes em situação de maior vulnerabilidade, buscando erradicação da violência e uma vida mais digna, em abundância, para os meninos e meninas.

³ Associação da Criança e do Adolescente da Chã de Bebedouro é uma organização social que atua em Maceió com projetos voltados para o público infantojuvenil.

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*José Roberto da Silva Alves é um jovem preto e periférico, graduado em psicologia pelo Centro Universitário Tiradentes – UNIT/AL; Membro do Movimento Jovem de Políticas Públicas – MJPOP Brasil; Fórum Popular de Segurança Pública de Alagoas – FPSP/AL; Mobilizador pela Organização Visão Mundial; Articulador Juvenil do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares – CEDECA Zumbi dos Palmares. José Robérto foi selecionado através do edital Brota no Notícias.

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