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A cultura periférica resiste e reinventa-se nas periferias e favelas de Niterói

No município do estado do Rio que intitula-se cidade sorriso, o acesso à cultura nas regiões periféricas é garantido por coletivos e artistas  

Por Mônica Macabú*

Em 10 de abril, o governo Lula completou 100 dias com mais investimentos para a cultura, como o Decreto de Fomento à Cultura (11.453/2023), que entre alguns pontos, regulamentou a Lei Rouanet e anulou normas do governo anterior que criminalizam a produção cultural. Outro ponto marcante foi a retomada do Ministério da Cultura (MinC), recriado em 24 de janeiro, com a posse da ministra Margareth Menezes. É a primeira vez que uma mulher negra comanda a pasta nas quase 4 décadas de existência. Desde a criação do ministério em 15 de março de 1985 com o Decreto nº 91.144, os artistas e os produtores vivenciaram diversos avanços, como leis de incentivo à cultura e políticas públicas. Mas, em 2 de janeiro de 2019, com uma medida provisória, o ex-presidente Jair Bolsonaro extinguiu o MinC.

No discurso de posse, Margareth Menezes refletiu sobre os desmontes no governo Bolsonaro: “Combate-se a área cultural quando se quer um país calado e obediente. A cultura incomoda, mexe, desobedece e floresce. Por isso, ela é também uma expressão de democracia de direitos”. A recriação do MinC e a nomeação da ministra marcam a retomada do investimento no setor. “Será um outro tempo para a cultura com Margareth, uma mulher negra que faz cultura e conhece bem a produção cultural no Brasil” refletiu Wildson França, artista e integrante do Experimentalismo Brabo, coletivo de provocação artística de circo de rua e literatura de cordel nas periferias de Niterói e do Rio.

Além da experiência em projetos, o artista é reconhecido em Niterói como o palhaço Will Will. Em 1999, o trabalho como palhaço surgiu para manter-se financeiramente. Em 2017, depois de uma pausa, o personagem ganhou profundidade. “Esse trabalho foi ganhando musculatura e fui compreendendo a importância da palhaçaria negra. Na minha visão, o principal na minha atividade é a afetividade e o riso, demonstrando também que é possível sermos artistas circulando dentro dos nossos territórios” afirmou o artista.

Palhaço Will Will atuante na cidade de Niterói – Foto: Cris Martins

Além de ser um vetor de transformação, a área da cultura e indústria criativa impacta economicamente o país. De acordo com estudo do Observatório Itaú Cultural, no quarto trimestre de 2022, esse setor empregou 7,4 milhões de brasileiros com empregos formais e informais, o que correspondeu a 7% de todos os trabalhadores da economia do Brasil. Mas, se a produção cultural é pulsante no Brasil, nem sempre é fácil a produção nas comunidades, com poucos investimentos e mapeamentos do setor nas regiões periféricas.

Leo Salo é palhaço, produtor e poeta há 10 anos. O artista atua com ações culturais do Coletivo Experimentalismo Brabo nas periferias de Niterói e conhece o cenário da produção nesses territórios: “Tem mais gente fazendo arte do que imaginamos, o desafio é reunir essa turma e possibilitar mais espaços e incentivos. Outra questão é estarmos mais unidos para cobrar do poder público e realizarmos mais ações em parcerias. Um outro caminho é buscarmos os agentes culturais para realizar ações em suas localidades”, pontua.

Leo Salo (de camisa amarela), palhaço e produtor, integrante do Coletivo Experimentalismo Brabo. Foto: Josemias Moreira

As conquistas e os entraves das produções culturais nos territórios periféricos de Niterói

Em Niterói, município do estado do Rio de Janeiro, grande parte dos seus equipamentos culturais estão localizados em sua região central e nos bairros nobres da zona sul. A cidade é a primeira do país a ter uma Carta de Direitos Culturais, para reconhecer, promover e ampliar o exercício dos direitos culturais. Se há avanços em documentos e propostas, os investimentos públicos são poucos para democratizar o acesso à cultura.

“É difícil levarmos quem frequenta o projeto a museus e teatros, por ser caro o deslocamento até os centros culturais. Se tivéssemos mais equipamentos na zona norte, seria mais fácil democratizar a cultura para a população periférica”, reflete Eusa Barbosa Ribeiro, integrante da Rede Cultural da Zona Norte e que promove ações de arte, educação, teatro e oficinas formativas na comunidade da Vila Ipiranga, na zona periférica do município.

Coletivo AfroDivas do qual Josiane é presidente. Foto: Divulgação

Em 2020, a Prefeitura de Niterói iniciou o processo de compra do imóvel conhecido como “casarão”, construído há 110 anos por um comerciante português na Alameda São BoaVentura, no bairro do Fonseca, para a construção do primeiro Centro Cultural da Zona Norte. Mas, só em 2022 a justiça concedeu a desapropriação do imóvel e o direito ao uso do espaço, que tem mais de dois mil metros quadrados. No final do ano passado, foram realizadas diversas escutas pela Secretaria Municipal das Culturas (SMC) com a sociedade civil e artistas sobre as atividades que irão compor o centro cultural. Por enquanto, não há mais informações efetivas do início das obras no espaço.

Para Josiane Peçanha, presidente do Coletivo AfroDivas, que desde 2017 tem sede-quilombo estabelecido no Fonseca, na Zona Norte, com diversas atividades e ações culturais, é primordial a garantia de oferta de mais ações culturais dentro dos territórios periféricos. “Oferecer cultura é garantir o desenvolvimento pessoal, social e espiritual dos sujeitos políticos e sociais. É fomentar o fortalecimento da cidadania, democracia e construção de uma cidade mais inclusiva. É fazer do ser humano um cidadão de fato, consciente de seus direitos e deveres”.

Na Constituição Federal, os artigos 6º e 215, reconhecem que todos os brasileiros têm direito à cultura e ao lazer para uma melhor qualidade de vida e desenvolvimento social. Assim, cabe à gestão municipal, além das esferas estadual e federal, assegurar aos moradores da periferia, entre outros direitos, o acesso à cultura. Desta forma, em Niterói é essencial a instalação de equipamentos culturais nas periferias e favelas, a mobilização para escutar as reivindicações da população e dos fazedores de cultura sobre suas demandas, além de políticas públicas com orçamentos e editais voltados especificamente para mapear, divulgar e financiar os produtores e artistas periféricos, que de fato atuam para a garantia de todos à cultura.

 

* Mônica Macabú é moradora da zona norte de Niterói, profissional de comunicação e cultura, já atuou em ações sociais, principalmente na área de bibliotecas comunitárias e saúde mental. Mônica foi selecionada através do edital Brota no Notícias.

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