...
Search
EN PT ES

Narrativas periféricas: construções coletivas de jovens em busca de exercer cidadania plena

Em favelas e periferias do Rio de Janeiro, jovens projetam futuro com oportunidades de emprego, formação e sonhos possíveis

Texto por Breno Bader*

 

Você já se perguntou qual é o motivo que faz uma criança dizer que tem o sonho de ser um super-herói? Talvez não seja tão simples responder essa pergunta, levando em consideração a farta imaginação que atravessam os sonhos dos pequenos. E, nessa busca de entender o que leva esta resposta, podemos ouvir coisas simples sobre proteger sua cidade, por conta dos poderes, a possibilidade de voar e até mesmo histórias sobre os efeitos especiais, que encantam uma legião de fãs das sagas de personagens cinematográficos, como mulher maravilha, pantera negra e homem aranha.  

O que caracteriza um herói, ou um ato de heroísmo por definição é o ser humano que executa ações excepcionais, que tenha o intuito de solucionar problemas. Mesmo quando um personagem tem um perfil considerado rebelde, sendo desprezado por pessoas do seu convívio e até mesmo visto como uma ameaça, será possível que tenha pessoas que se identifiquem com esse enredo. 

No maior reality show da televisão brasileira, o Big Brother Brasil, o ator Douglas Silva explicou ao seu amigo Pedro Scooby um pouco da história do anime Naruto, que estreou em 2002 nas telinhas. Segundo DG, como é conhecido Douglas, o anime conta a história do garoto que cresceu sem pais e que, dentro da sua vila, era mal visto e rejeitado por conta da besta que quase a destruiu e estava selada dentro do seu corpo. Ele completa que, na verdade, o pai e a mãe de Naruto fizeram isso para salvar a todos da vila, e o seu sonho era de se tornar hokage, assim como seu pai, e proteger a todos. Outro participante, o velocista Paulo André, junta-se ao discurso e finaliza explicando para Pedro que o personagem sempre precisou provar seu valor, por isso considera o anime um estilo de vida. 

DG e Paulo, que são negros e explicavam sobre o anime, são o reflexo do processo de marginalização histórica de corpos não-brancos na sociedade brasileira, estabelecido por grupos hegemônicos que contribuem para o não pertencimento do padrão civilizatório. Dois profissionais excelentes em suas áreas de atuação, que entraram no reality com o mesmo intuito: oferecer melhores condições para seus familiares. Talvez esse seja o ponto de encontro com o personagem Naruto, por não terem seus valores reconhecidos, necessitam sempre o provar, além disso, ambos contam com o encantamento ao público pela lealdade dos dois no programa junto a seus amigos. 

Por outro lado, distante da visibilidade da grande mídia, existem jovens inseridos na nova cultura política de participação, que buscam desenvolver ações coletivas e exercem o papel de protagonistas nas esferas públicas e em seus territórios. Além disso, trabalham nas principais pautas propostas para novas formulações de políticas públicas, e ações de curto e médio prazo para solucionar problemas estruturais. 

Brendon dando oficina de tecnologia em Imbariê, no município de Duque de Caxias – Foto: Cadu Sena 

Exemplo disso é Brendon Rodrigues, 24, cria de Parada Angélica, território localizado em Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. Estudante de programação e com um pé na arte, faz parte do projeto InfoCria, um laboratório coletivo que estuda a relação de tecnologias digitais e sociedade. Segundo o jovem, “pesquisamos como essa área das tecnologias impacta as vidas de pessoas negras, LGBTQIA +, mulheres e pessoas periféricas, a fim de criar um sentimento de pertencimento e questionar as problemáticas da ausência de minorias construindo tecnologias. Acredito que nossa maior motivação tenha sido o fato de começarmos a estudar programação e não enxergamos pessoas igual a gente nesse mercado, seja nos espaços de trabalho como nos espaços de construção das mesmas, queríamos entender o porque disso acontecer e além disso, criar um sentimento de pertencimento para que pessoas igual a gente pudessem se sentir em casa quando se falasse de tecnologia”, exclama.

Jovens do projeto Eu Vivo Favela na Favela da Palmeirinha em uma ação social – Foto: Gabriel Oliveira

Semelhante à Brendon, temos Lais dos Santos, 22, cria da favela do Palmeirinha, em Guadalupe, na zona norte do Rio de Janeiro. A jovem trabalha no Ministério Público, é estudante de serviço social e diretora geral do Eu vivo Favela. O projeto foi criado por ela, junto a outros amigos, enquanto ainda eram adolescentes. Santos costuma dizer que, “o Eu vivo favela não é uma criação, mas sim um movimento coletivo que foi estruturado no nosso território. As motivações foram dimensionar os tipos de violências que acometem em nosso local, mas para além disso, entender que há vozes, narrativas e trajetórias que precisavam ser enaltecidas nesse espaço, através do acesso à cultura”. Com isso, ela afirma que a maior motivação é pensar em como atuar na prevenção das violências de direito à cidade e na prevenção a vulnerabilidade desses jovens.

Outro perfil de destaque é de Luiz Menezes, 21, nascido e criado na Maré. O jovem realiza duas graduações em instituições diferentes ao mesmo tempo: ciências sociais e economia. Ele já participou de vários projetos sociais na favela em que mora, como o Conexão G, no qual estava à frente de uma iniciativa para a população LGBTQIA +. Menezes se considera um jovem envolvido com território e políticas públicas, além disso é fundador do projeto Empresa Poética, que desenvolve ações no território da Maré. Aliás, a favela é tida como local chave, por conhecer todas peculiaridades do território em que vive, promove ações de orientação jurídica gratuita, mutirões para fazer o título de eleitor e aulas de redação para vestibulares e concursos públicos. Ele conta que iniciou a empresa por conta da sua participação em um programa da Unicef Brasil, o Chama na Solução, que tinha o objetivo de juntar grupos de jovens de periferias e favelas do Rio para pensarem o acesso ao mundo do trabalho a partir da juventude. Para Luiz, “a poética é trazer um outro olhar para isso que entendemos enquanto empresa, que é um modelo que não engloba corpos favelados, periféricos, racializados, LGBTQIA +. Todos que compõem nossa empresa são desse público e pessoas de favelas, feito com o intuito de pensar o mercado de trabalho, juventude, e todos seus desdobramentos sociais políticos e culturais”, afirma.

Luiz Menezes ao meio com a equipe do Conexão G, recebendo um prêmio da ALERJ – Foto: Jean Vinicius

As pautas em comum dos jovens citados, são mobilidade, lazer e empregabilidade. Laís observa que a relação de empregabilidade precisa ser mais abordada, por entender que ao mesmo tempo que sua favela está localizada próximo ao Shopping Guadalupe e polos que podem gerar mais emprego, ainda sim a maioria dos jovens trabalham na informalidade nas praias. Enquanto Brendon relata o deslocamento para outros lugares para acessar educação e lazer. Para Luiz, é necessário reflexões, como acessar espaços acadêmicos se torna um movimento irregular, por parecer que este espaço começa desconsiderar suas origens, por perfurar uma bolha que não é pensada para pessoas como ele, mas na verdade se tornando uma falha do sistema, por existir uma repetição de ciclos reproduzido pelo Estado. 

Historicamente, os jovens entre 18 a 24 anos, integram o que é considerado o grupo que mais sofre com o desemprego no Brasil, por decorrência da precarização da sua mão de obra. O levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2021, apontou que atualmente o país tem mais de 14,8 milhões de desempregados. Segundo a especialista em Psicologia do Trabalho, Adriana Cristina Ferreira Caldana, diferente de 20 a 50 anos atrás, essa nova geração está diante do cenário de redução da mão de obra física pelas máquinas, como também mão de obra qualificada, apontando que é um mercado de trabalho bastante dinâmico.

Através do site Tribunal Superior Eleitoral (TSE), podemos expor opiniões sobre o cenário político da cidade do Rio de Janeiro. Na última eleição da cidade no ano de 2020, apenas 4% dos candidatos tinham idade entre 18 e 29 anos. Sendo 68% candidaturas masculinas e 32% femininas, quando apontamos para a raça e cor desses candidatos, o maior percentual é entre candidatos brancos, sendo 51%, enquanto pretos 23% e pardos 22%. Em relação aos candidatos eleitos, é significativo que os espaços democráticos de decisões políticas ainda carecem de números significativos que expressam representatividade para juventude carioca, ainda que não podemos afirmar que isso signifique que não exista candidaturas que dialoguem com essas demandas.   

Com os dados estatísticos expostos, nota-se que o empenho de jovens é fundamental para driblar esses obstáculos, mas também é necessário que governantes se empenhem em construir ações ao combate do desemprego, atuando na diminuição das desigualdades sociais, pois ainda que existam práticas políticas válidas de coletivos em territórios à margem da sociedade, não são ações que se estabelecem a longo prazo, assim como as políticas sociais neoliberais que cumprem funções fragmentadas e seletivas, ainda que por motivos distintos. E novos rostos em cargos políticos remetem a projetos como o LabJuv da Secretaria Especial da Juventude Carioca – Prefeitura do Rio, dirigida pelo jovem gestor público Salvino Oliveira, que tem como objetivo  engajar oitenta jovens nas políticas públicas municipais da cidade.

O audiovisual brasileiro há tempos é pensado por jovens de periferias enquanto possibilidade de construção de novas narrativas, contar nossas próprias histórias. E a cultura pop sempre exerceu sua função social de se aproximar de seus respectivos público-alvo. Naruto e Pantera Negra cumprem essa perspectiva, sendo personagens que se aproximam das pessoas em periferias de todo o Brasil, dos conflitos sociais, de encarar nossas responsabilidades sociais, de tornar nossos próprios heróis.  

Sendo assim, podemos concluir que ser herói pelo visto não é apenas mais sobre voar ou soltar poderes de raios, é também imaginar e possibilitar ferramentas para um futuro melhor. Eu também quero ser hokage como Naruto sempre sonhou, eu também quero ser pantera negra, eu também quero ocupar espaços de decisões políticas, nós também queremos ser donos dos nossos direitos de exercer cidadania.

 

*Breno Bader, 26 anos, é estudante de Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Mídias Digitais na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Pesquisa tema relacionado à Políticas Públicas, Território, Juventude e Audiovisual. Buscando inserção no campo de disputas narrativas a partir da escrita periférica, construindo possibilidades de ideais coletivos de transformação social. Ele foi selecionado a partir do edital Colabore com o Notícias&Análises 2022.

LEIA TAMBÉM!

Comunicação

“A gente não quer que essa tradição morra”: A luta das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão

Comunicação

Enchentes em Belford Roxo e o racismo ambiental na infraestrutura urbana

Comunicação

A influência da Capoeira Angola na vida das crianças e adolescentes do Bairro São Tomáz

Copyright – 2021 ©. Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por: MWLab Digital