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Organizações da Maré recebem relatora da Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Relatora especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos visita Conjunto de Favelas da Maré para dialogar com instituições locais sobre a violência policial no território.

Por Isabella Rodrigues

Rio de Janeiro – No dia 16 de junho, Soledad García Muñoz, Relatora Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, acompanhada de representantes da Washington Brasil Office (WBO), instituição independente que promove ações de apoio à sociedade civil, defesa dos direitos humanos e democracia no Brasil, e diversas organizações da sociedade civil do Rio de Janeiro visitaram o Memorial de Vítimas da Violência Armada da Maré, localizado na Praça da Paz, na favela Nova Maré. Em seguida, mães que perderam seus filhos em decorrência dos confrontos armados caminharam pelas ruas erguendo uma faixa com fotos das vítimas até a sede do Observatório de Favelas onde, junto a outras organizações do território, denunciaram violações de direitos enfrentadas pelos moradores.

Coletivo de Mães da Maré realizaram caminhada erguendo uma faixa com fotos das vítimas de violência policial. Foto: Vitória Corrêia / Imagens do Povo

O Conjunto de Favelas da Maré, com aproximadamente 140 mil habitantes, tem sido alvo de operações policiais frequentes que, muitas vezes, resultam em mortes e abusos. A 7ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, da Redes de Desenvolvimento da Maré destacou que o ano de 2022 apresentou o maior número de mortes em operações policiais dos últimos três anos na região e registrou 283 violações de direitos, além dos homicídios, sendo que 91,5% aconteceram em contexto de operações policiais. Ainda, segundo um levantamento realizado pelo Geni (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos) da Universidade Federal Fluminense, a polícia foi responsável por mais de um terço das mortes violentas ocorridas desde 2020 no Rio de Janeiro (35%).

A partir do debate acerca da violência policial na Maré, a relatora e sua equipe escutaram as denúncias e reivindicações de moradores e lideranças locais para entender de perto a realidade enfrentada pela população. Raquel Willadino, diretora do Observatório de Favelas, representou a instituição, a partir do Programa de Direito à Vida e Segurança Pública, e ressaltou que nos últimos 5 anos mais de 7200 pessoas foram vítimas de homicídios decorrentes da ação de agentes do Estado no Rio de Janeiro, conforme dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). O enfrentamento da violência letal, que atinge prioritariamente territórios negros e periféricos, e a proteção de ativistas são alguns dos temas centrais da atuação do Observatório de Favelas no campo da segurança pública.

“Temos pautado esses temas com ênfase nas desigualdades raciais, de gênero, socioeconômicas e territoriais que estruturam a produção de violência letal no Brasil e também a responsabilidade do Estado neste processo. Isso está diretamente associado ao incentivo do governo do estado que envia mensagens de que há uma licença para matar nas favelas e a leniência do sistema de justiça na investigação e na responsabilização desses casos”, pontuou Raquel.

A diretora também evidenciou a necessidade de um posicionamento da CIDH reforçando a importância de que o Estado Brasileiro garanta o cumprimento das determinações realizadas pelo STF no âmbito da ADPF das Favelas:

“É imprescindível que a gente avance com políticas de prevenção, redução da letalidade, fortalecimento do controle externo da atividade policial e políticas de reparação às vítimas de violência do Estado. Mas, as violações do direito à vida são só um componente da ação policial nas favelas porque ela também gera múltiplas violações de direitos no cotidiano dos moradores”.

Com base em  uma pesquisa sobre organizações de defesas de direitos lideradas por mulheres e periferias da região metropolitana do Rio, que vem sido realizada pelo Programa de Direito à Vida e Segurança Pública do Observatório de Favelas,  Willadino concluiu sua fala destacando a necessidade do fortalecimento de políticas de proteção às defensoras e defensores de direitos humanos que levem em conta as especificidades dos desafios enfrentados pelos ativistas de favelas.

No ano de 2023 ocorreram mais de 15 operações policiais no território da Maré. As incursões policiais impedem moradores de favelas de acessar direitos fundamentais, uma vez que atividades nas unidades de saúde e escolares são interrompidas. Em 2018, Marcus Vinícius, de 14 anos, foi morto após ser baleado a caminho da escola, em uma operação policial na Vila do Pinheiro, favela do Conjunto de Favelas da Maré. Sua mãe, Bruna Silva, participou do diálogo com Soledad. “Há cinco anos eu me joguei na luta para curar o luto”, afirmou. Bruna relatou que o caso de seu filho encontra-se como inquérito, mais próximo de ser arquivado do que de ser solucionado e que segue na luta para federalizar o caso de Marcus. “É importante que o Estado venha a ser responsabilizado. O Estado vem com helicóptero, acaba com o nosso território, que já não é tão bonito, e fica por isso mesmo”, finalizou.

Representantes de organizações e coletivos participaram do evento. Foto: Uniperiferias / Divulgação.

Soledad agradeceu a oportunidade de estar no território e relatou estar emocionada em compartilhar o momento de dor de mães que perderam seus filhos pela violência armada. Ainda, colocou o racismo como a maior ameaça aos direitos humanos, impedindo o acesso à direitos da maioria do povo brasileiro. Segundo ela, a discriminação, a violência e a pobreza constituem um ciclo que ameaça o bem viver.

Ao final do diálogo com as organizações, Soledad, questionada sobre como poderia apoiar as lutas da população, respondeu que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem feito um relatório sobre o país como um todo, monitorando a situação do Brasil com o objetivo de auxiliar o povo brasileiro a estar mais perto do sistema interamericano para conhecer os seus direitos e assim reivindicá-los. Nas suas palavras “educar sobre direitos humanos para as favelas se defenderem por elas mesmas”. Ainda comprometeu-se a compartilhar o relatório com outros relatores para analisar e compreender as dimensões da violência e do racismo no Brasil, como ressaltou no seu discurso: “A violência, gerada pela discriminação racial, sobretudo, gera pobreza e castiga a pobreza no lugar de proteger as pessoas que vivem na pobreza”. Por fim, realizará um comunicado à imprensa, após identificar as questões de maior urgência, para então fazer recomendações ao Estado Brasileiro.

Representantes de organizações e coletivos participaram do evento. Foto: Uniperiferias / Divulgação.

Além do Observatório de Favelas e do Instituto Maria e João Aleixo, participaram do evento representantes de organizações e coletivos como a FAFERJ, Frente Favela Brasil, MNU, Conexão G, ISER, Movimentos, IDMJR, Coletivo Papo Reto, Redes da Maré, Coletivo de Mães da Maré, Luta pela Paz, Instituto Vida Real, Casa Resistências e Maré Vive. Durante o encontro, o Coletivo de Mães da Maré entregou um manifesto assinado pelas mulheres presentes a pedido da relatora.

A visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos faz parte de uma série de atividades que a instituição tem realizado no Brasil para monitorar a situação dos direitos humanos e oferecer recomendações ao governo brasileiro. Além da Maré, a relatora também visitou outras favelas e instituições no Rio de Janeiro, em São Paulo, Brasília e Salvador, para conhecer de perto a realidade das populações mais vulneráveis e ouvir suas demandas e reivindicações. A expectativa é que as informações coletadas durante a visita sejam utilizadas para a elaboração de relatórios e recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a fim de melhorar a situação dos direitos humanos no Brasil.

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