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Trajetória de luta do Quilombo Buieié

Quilombo Buieié, em Minas Gerais, tem mulheres pretas e quilombolas na gestão do Projeto Social Buieié.

Por Carina Veridiano*

Falar das atividades desenvolvidas hoje, no Quilombo Buieié, é lembrar da trajetória de luta das mulheres quilombolas do Buieié e também de como os quilombos vem resistindo pela bravura e dedicação dessas mulheres, que durante toda essa trajetória colonial escravista enquanto corpos escravizados e, hoje, mulheres “livres”, tiveram e têm suas lutas invisibilizadas pela sociedade patriarcal e machista. O Quilombo Buieié está situado na zona rural de Minas Gerais, a 10 km de distância do centro da cidade de Viçosa. No território vivem 100 famílias quilombolas e outras 30 que compraram terras e hoje residem.

Nos territórios quilombolas, as mulheres são maioria à frente das organizações como lideranças comunitárias e guardiãs dos saberes tradicionais. As mesmas sofrem o racismo estrutural de forma ainda mais dura em comparação aos homens. Suas histórias e trajetórias pouco tem sido relatadas, escritas em nossas literaturas, artigos, entre outros, mas temos pela primeira vez, as vozes delas reunidas no livro “Mulheres Quilombolas: Territórios de existências negras femininas” (editora Jandaíra), organizado por Selma dos Santos Dealdina, pelo Selo Sueli Carneiro, coordenado pela filósofa Djamila Ribeiro.

Na zona da Mata, sudeste do país, onde estamos localizados atualmente, temos 142 municípios com 130 comunidades quilombolas mapeados pela Rede de Saberes dos Povos Quilombolas – SAPO QUI, organização que articula e organiza os quilombos no acesso à direitos. São 33 comunidades certificadas e as demais estão em processo de certificação.

Desde 2016 nos mobilizamos no Quilombo Buieié, inicialmente com um grupo de 4 pessoas. Em 2020 demos um nome ao grupo: Buieié Projeto Social. Esse coletivo foi criado como forma de resistência às opressões vividas e para trabalhar no empoderamento, apropriação da sua história, geração de renda local através da produção de alimentos, artesanato, além de incentivar a juventude a voltar a estudar e adentrar as universidades públicas, dar visibilidade a cultura local e denunciar as precariedades e mazelas que o poder público municipal tem deixado à comunidade.  O Buieié Projeto Social engloba outras atividades, como a Feira Quilombola Buieié que acontece desde 2019.

Imagem: Acervo pessoal Buieié projeto social e da Feira Quilombola Buieié

Realizamos a primeira Feira em nossa atividade de campo, Acompanhamento Tempo Comunidade (ATC), do curso Licenciatura em Educação do Campo Licena em que, através da nossa própria organização, realizamos 3 dias de atividade. A partir disso, percebemos o quanto nossa comunidade é rica e no último dia de atividade fizemos uma exposição com uma diversidade de produtos.

Durante o processo, uma moradora do quilombo perguntou se repetiremos o mesmo comportamento de estudantes externos à comunidade: coletar dados, desenvolver algumas atividades e parar quando o projeto terminasse. Conversamos entre nós e decidimos continuar, mesmo sem termos experiência com organização de feira. Então, desde maio de 2019 realizamos a nossa Feira Quilombola Buieié, que acontece uma vez por mês com atividades para crianças, rodas formativas sobre direitos, identidade, saúde, educação entre outros temas, coordenado por 2 mulheres pretas quilombolas, eu, Carina Aparecida Veridiano, e Cleonilde Alves Cecilio Pereira.

Cleonilde, mais conhecida por todos como Nina, é nascida e criada no Quilombo Buieié. Filha de Creuza e Léo, tem dois irmãos, Néria e Fabiano. Cleonilde estudou a vida toda em escola pública e concluiu o ensino médio em 2007. Por muitos anos trabalhou no bar do pai, estudava e trabalhava meio período. Em 2012, quando o pai faleceu, fechou o bar. Em 2014 começou a trabalhar novamente fazendo faxina, colhendo café, feijão, tomate e vagem.

Em 2018 prestou o ENEM e ingressou no curso Licenciatura em Educação do Campo-Licena em 2019. Assim, Cleonilde iniciou o processo de busca por se afirmar enquanto mulher preta, sua identidade e autorreconhecimento enquanto descendente de pessoas que foram escravizadas.

Cleonilde (Nina) em reunião da Feira Quilombola Buieié. Foto: Acervo pessoal Cleonilde Alves Cecilio Pereira

A Feira Quilombola Buieié é um espaço para comercialização e geração de renda local, valorizando os produtos, com preços justos, e aproximando o consumidor do produtor. A feira tem a intencionalidade de ser esse espaço de encontro, troca e resgate de práticas e vivências ancestrais deixadas de lado para dar lugar ao moderno. A Feira valoriza, potencializa e empodera as mulheres.

O protagonismo acontece desde a coordenação à confecção, em que todas são mulheres. Buscamos resgatar o vínculo com as práticas e saberes ancestrais, criando espaços ricos de conhecimento e troca de saberes. Atualmente, estou como voluntária no Buieié Projeto Social, onde participo das atividades desenvolvidas como almoço de rua, rodas de conversa com as jovens, dia das crianças, distribuição de brinquedos no natal, dia da beleza e outros. Espero ver mais mulheres negras se empoderando e ocupando espaços, seja na política ou em qualquer outro espaço, para que assim, além de promover democracia, tenhamos variedade de vozes em espaços de tomada de decisão.

Carina Veridiano com seus filhos Ezequiel e Pâmela. Foto: Acervo pessoal Carina

Hoje somos 16 estudantes quilombolas cursando diversos cursos na Universidade Federal de Viçosa (UFV), Temos acesso ao programa Bolsa Permanência, política pública afirmativa para indígenas e quilombolas, instituída desde 2013 com a finalidade de minimizar as desigualdades sociais étnico raciais e contribuir para permanência e diplomação desses estudantes.

Eu, Carina Aparecida Veridiano, 33 anos, mulher preta quilombola, filha de dona Maria Aparecida Veridiano, mãe solo da Pâmela e do Ezequiel, graduanda do curso de Licenciatura em Educação do Campo, cotista e assistida pela Bolsa Permanência, militante da rede de Saberes dos Povos Quilombolas da Zona da Mata Sapoqui, sou uma das coordenadoras do Buieié Projeto Social e da Feira quilombola Buieié e diretora na Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais N´Golo.

Costumo frisar que eu não entrei na luta, mas que a luta me chamou. Tentei escapar, mas em todos os lugares ela estava a me rodear; estou sendo forjada por ela a todo o instante. Eu tenho vivido e tenho buscado minha ancestralidade que me foi arrancada, me deixando uma lacuna que a todo momento cismava em gritar.

 

Hoje compreendo que precisava entender as desigualdades, suas raízes e ver como as mulheres do Quilombo Buieié foram valentes, pois se organizaram para a compra das terras onde estamos hoje. No mais cuidavam dos enfermos, realizavam partos, rezavam, conhecimentos que as mais velhas têm deixado pra nós e que reafirmam esse legado de luta pelo bem viver, cuidado fraternal e organização comunitária.

Grupo de capoeira. Foto: Acervo Buieié Projeto Social

Através do coletivo desenvolvemos atividades para crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, como capoeira, espaços de criatividade, acesso a políticas públicas para quilombolas, formações sobre entendermos quem somos e o futuro que queremos. Além disso,contamos com várias parcerias que nos ajudam no desenvolvimento das nossas atividades.

Roda de conversa sobre as cestas básicas quilombolas, uma das ações da CONAQ. Foto: Acervo do Buieié Projeto Social.

Atualmente, nós mulheres quilombolas do Buieié, estamos em conselhos municipais, associadas em organizações parceiras, grupos, coletivos estaduais e Universidades. Entendemos que só avançaremos se estivermos participando desses grupos e trazendo nossa realidade para o centro do debate. Hoje vemos nossas meninas e meninos sonhando, tendo aspirações que antes eram vistas como algo impossível. Nossas ações têm despertado a nossa juventude a pensar em possibilidades e realizarem seus sonhos. Gosto muito da frase de Angela Davis: “Quando uma mulher negra se movimenta, toda estrutura da sociedade se movimenta junto com ela”.

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* Carina Veridiano, do Quilombo Buieié , Minas Gerais, é mulher preta quilombola, militante da rede de Saberes dos Povos Quilombolas da Zona da Mata Sapoqui, coordenadora do Buieié Projeto Social e da Feira quilombola Buieié e diretora na Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais N´Golo.

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