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Comunicação antirracista em defesa da democracia

Neste episódio da série “FavelaPOD Democratizar”, as jornalistas Louise Freire e Andressa Franco discutem como a comunicação pode ser uma ferramenta poderosa na luta pela igualdade, justiça e na construção de uma sociedade mais inclusiva. 

Abordar a comunicação antirracista é, sem dúvida, um passo crucial rumo à construção de uma sociedade mais justa e igualitária, a partir da conscientização sobre o racismo e seus impactos. Nesse contexto, a comunicação surge como uma aliada, capaz de transcender fronteiras e moldar percepções. Ao adotarmos o recorte racial na abordagem comunicativa, buscamos não apenas informar, mas transformar mentalidades e desafiar preconceitos enraizados. Para conversar sobre o tema trazemos duas convidadas experientes no assunto. São elas: Louise Freire, produtora e diretora na TV Brasil e no Canal Futura e Andressa Franco, jornalista em formação pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e repórter da Revista Afirmativa, coletivo de mídia negra e agência de comunicação.

Pergunta: Louise, enquanto uma mulher negra jornalista, como a sua experiência nos meios de comunicação, influenciaram sua visão sobre como a mídia tradicional aborda as questões raciais? E como você acredita que a comunicação pode ser uma ferramenta poderosa para a promoção da igualdade racial?

Louise Freire: Em relação às mídias tradicionais, quando a gente está dos dois lados, tanto como jornalista quanto mulher, e aí no meu caso afro-indígena em retomada, a gente percebe algumas nuances que de repente as pessoas que não estão na comunicação ou não têm esse entendimento não conseguem perceber. Por exemplo, a maneira que uma notícia é dada: Há alguns dias eu assisti uma matéria falando sobre os trabalhadores informais que trabalham como motoboys, e aí falou que a maior parte desses trabalhadores eram homens pretos, de periferias e de uma determinada faixa etária. E o entrevistado era um homem branco, um motoboy branco. Então são essas nuances que a gente percebe quando a gente fala de uma representatividade. Se eu fosse a produtora ou diretora daquela matéria, eu pediria como entrevistado um motoboy negro, já que a gente está falando que a maior parte dessa população que trabalha assim informalmente são pessoas negras, são homens negros. Então eu traria uma sonora, que a gente chama no jornalismo, de homem negro. Então são essas nuances que as pessoas que não têm essa visão antirracista na comunicação deixam passar. A gente tem o caso da Folha de São Paulo, por exemplo, que foi icônico, que um homem invadiu a escola e matou crianças, um jovem, e a mão que segurava a arma para ilustrar a matéria era a mão de uma pessoa negra. A gente tem outro caso que eu gosto muito de falar, toda vez que um jovem preto de periferia é assassinado pela polícia, isso não é incomum em todo o Brasil, em especial aqui no Rio de Janeiro, onde eu moro. Depois da matéria vem a questão “ele não tinha antecedentes criminais”, como se isso justificasse ou para comprovar que aquela pessoa não merecia morrer. E se ele tivesse? Isso justificaria? Então são essas nuances da comunicação antirracista que a grande imprensa ainda não está preparada para abordar e ela continua repetindo erros e formatos que estão fora do alcance. A comunicação é um dos maiores meios de influência, isso eu digo comunicação não só na TV, eu digo também impresso, eu digo rádio, mídias sociais. Ela tem o poder, em duas situações, de promover a igualdade. Primeiro, quando a gente traz um entrevistado, eu sempre priorizo pessoas negras, não para falar somente sobre racismo, mas para falar sobre qualquer outra questão. Então a gente tira a pessoa negra somente daquele lugar de falar sobre dores. Eu falo, eu gosto de falar que eu gosto de pessoas negras que falem sobre conquistas, amores, não só sobre desafios. […]

Pergunta: Gostaria de saber, Andressa, como a Revista Afirmativa quebra esse padrão e promove a diversidade de vozes e perspectivas?

Andressa Franco: A mídia hegemônica tem refletido nas suas práticas os interesses de elites políticas, econômicas, brancas, que perpetuam todos esses estereótipos que você traz na pergunta, tanto que a gente muitas vezes até pondera o termo tradicional, porque não é como se a mídia negra não tivesse tradição, visto aí os exemplos que vocês mesmas trouxeram sobre “o homem de cor”, que foi o primeiro periódico brasileiro a tratar os problemas da população negra, e isso em 1833. Bem como a mídia negra tem entre seus marcos a Revolta dos Búzios, de 1798, que é uma data simbólica para as mídias negras, já que mesmo em um período onde a imprensa era proibida, a comunicação foi a estratégia utilizada para propagar os ideais da revolta, mas naturalmente a gente está falando de um período que não é imaginável, pessoas negras com poder de influência na comunicação, com poder para manter o jornal da maneira como a gente conhece hoje, bem como também de outras prioridades, que era a sobrevivência, e ainda é, né? Mas foram sementes importantes e a nossa população tem fortalecido cada vez mais a compreensão do papel fundamental que a comunicação tem na luta contra o racismo e contra todas as violações de direitos humanos. Nessa esteira, lá em 2014, é que nasce a Revista Afirmativa, já com o slogan “somos nós, falando de nós para todo mundo”. A revista atua hoje como um tripé, então somos um veículo de comunicação antirracista, somos uma agência de comunicação especializada no trabalho com movimentos sociais e um coletivo, uma organização da sociedade civil comprometida com o debate da democratização da comunicação e do combate ao racismo. É um veículo que nasce, assim como muitos outros veículos de mídia negra que nós temos hoje, da necessidade de questionar como somos representados e denunciar os estereótipos. É sobre reconstruir e disputar os imaginários e narrativas dos lugares onde a população negra pertence, sim, mas também sobre analisar e trazer o nosso ponto de vista dos diversos acontecimentos, mostrar que não tem como construir uma notícia, por exemplo, sobre enchentes e deslizamentos, sem falar de racismo ambiental, ou sobre violência sexual, sem lembrar que as mulheres negras são as principais vítimas, ou sobre segurança pública, omitindo que existe um projeto político de genocídio do nosso povo, ou sobre saúde e educação, sem considerar que essas políticas públicas foram historicamente negadas e que ainda têm seu processo de disputado para a nossa população. […]

*Essa entrevista pode ser acessada na íntegra no FavelaPOD, o podcast do Observatório de Favelas. Louise e Andressa participaram do quinto episódio da série “FavelaPOD Democratizar” de 2023, uma realização do Observatório de Favelas em parceria com o Seja Democracia. Acesse todos os episódios AQUI.

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