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Desafios e soluções para promover o acesso ao cuidado mental nas favelas e periferias

Neste episódio da série “FavelaPOD Democratizar”, Bruno Lopes e Gustavo Henrique discutem desafios e soluções para promover o acesso ao cuidado mental nas favelas e periferias, em especial para pessoas negras.

A saúde mental é uma parte importante do bem-estar, e todos merecem ter acesso a informações e apoio adequados para lidar com as questões psicológicas. Mas, a realidade é que as barreiras para o cuidado mental são maiores para moradores de territórios populares. Questões como racismo estrutural, desigualdades socioeconômicas e falta de acesso a serviços psicológicos muitas vezes agravam os problemas de saúde mental nesses contextos. Para somar com a gente nessa conversa, convidamos dois profissionais envolvidos no trabalho social, que vão compartilhar suas perspectivas sobre como a saúde mental se entrelaça com as questões sociais. São eles: Gustavo Henrique, psicólogo clínico pela PUC Minas, palestrante, educador social de crianças e adolescentes, membro do grupo masculinidades negras de Belo Horizonte e do centro cultural Lamparina. E Bruno Lopes, assistente Social, residente em saúde mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ e integrante da equipe do Censo de Atenção Psicossocial do Estado do Rio de Janeiro.

Pergunta: Bruno, você pode nos contar um pouco mais sobre seu papel como residente no Instituto de Psiquiatria da UFRJ e compartilhar as perspectivas sobre saúde mental que você tem a partir da sua atuação?

Bruno Lopes: Quando eu ingresso na residência, no início do ano passado, uma das atuações ali no primeiro ano era pensar a saída de pessoas que estavam internadas em um hospital psiquiátrico na Zona Sul do Rio de Janeiro. E aí, acho que isso convoca para pensar algo que já vinha de alguma forma aparecendo nas elaborações, na minha escrita. Pensar em determinantes sociais e saúde, assim, como direcionamento de trabalho. E aí pensar, por exemplo, que hoje na saúde mental, assim, no campo da atenção psicossocial, a gente pensa muito em uma clínica ampliada e isso envolve tanto os profissionais de diversas categorias, quando você,  considerar pra promoção de saúde mental, a gente vai precisar entender o contexto das pessoas que estão inseridas. E, especificamente, no ano passado, assim, a partir dessa enfermaria, nesse hospital psiquiátrico na Zona Sul, eu poderia falar abertamente aqui que eu considero um manicômio, mas são observações que a gente pode trabalhar em outros momentos. E por algum acaso, mas que não é tão acaso a maioria das pessoas que chegavam para as internações nesse hospital eram pessoas vindas dos territórios considerados mais vulneráveis da cidade, tanto da Zona Oeste, quanto parte da Zona Norte e centro da cidade. São as regiões periféricas. E, especificamente, as regiões mais intensas dessas periferias. Uma população que tinha um perfil, que era bem perceptível, não tinha, não tem um perfil, que muitas pessoas ainda estão lá, esse hospital ainda existe, as pessoas ainda chegam lá. Mas isso fala muito de uma rede de cuidados nesses territórios que, por vezes, era construída pela população. E aí, a gente fala também sobre questões políticas e sociais, tem algo que a gente vai precisar elaborar, mas o fato é que, nesse hospital psiquiátrico, a maioria das pessoas que chegam lá, diariamente, são pessoas de territórios periféricos. No geral, são pessoas pretas. No geral, são pessoas que, especificamente, na saúde mental, não contam com uma rede de apoio, que a gente não vai conseguir construir uma série de alta desse hospital com facilidade. Muitas pessoas ficavam 3, 4, 5 anos internadas. Tem toda uma construção, porque é um hospital psiquiátrico universitário. Tem um lugar que é muito delicado. A minha compressão de saúde metal já vinha um pouco antes de ocupar esse lugar da residência, mas acho que é ao longo da residência que vai ser firmando: Com quem eu quero trabalhar, quem são as pessoas que eu acompanho, qual a cor dessas pessoas, de onde elas vêm, qual a construção de vida que elas têm. E acho que o longo desse processo foi me implicando em pensar determinantes sociais, especificamente como um direcionamento de trabalho e de vida e que a minha passagem na residência vai precisar seguir por esse caminho.

Pergunta: Gustavo, qual é a importância de abordar a saúde mental considerando uma perspectiva afro centrada e como isso difere das abordagens convencionais?

Gustavo Henrique: Pensar numa psicologia afrocentrada é pensar a história do povo preto. É fazer o que a gente chama de sankofa. Voltar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro. Então, para construir uma psicologia afrocentrada é preciso pensar em ancestralidade. É preciso pensar na história que nos fez vir parar aqui nesse país. A forma como chegamos, tudo o quê aqui sofremos. Então, o povo preto hoje no Brasil, ainda hoje, carrega as marcas de um período. Se a gente pensar a história do nosso país, a maior parte dele foi construída a partir da escravidão. Nós temos mais tempo de pensar no Brasil com escravidão do que sem. E aí, como é que nós vamos negar esse processo? Como em uma psicologia convencional, né? Eu não tô dizendo que psicólogos que não sejam pretos não vão dar conta dessa questão, mas se a gente ficar só na psicologia convencional, quando chega o momento pra atender uma pessoa em qualquer instância da psicologia, e eu falo mais do campo clínico, algumas coisas vão ficar pelo caminho, porque nós precisamos entender essa história que vem junto, esse corpo ancestral. Ah, mas o racismo, a escravidão já acabou a tanto tempo, a gente ouve isso ainda, né? Hoje em dia, deve pensar uma consciência humana, né? Não existe isso de consciência negra, vocês pretos que ficam fazendo essas divisões. A gente escuta isso ainda. Então se a gente parar nesse discurso eu não chego até a construção de sentido que aquele paciente está tentando fazer na terapia. Aquela pessoa quando chega na terapia precisa entender questões sobre identidade, sobre autoconhecimento, sobre auto percepção. E aí pra gente entender essa identidade, que identidade é essa? Que sempre é roubada, que é construída como Neusa Sousa Santos vai dizer, a partir de um ideal de ego quebrado. E aí, quando a gente consegue ainda assumir a nossa identidade e bancar isso, ainda assim a gente tem que fazer um processo de resistência.

*Essa entrevista pode ser acessada na íntegra no FavelaPOD, o podcast do Observatório de Favelas. Bruno e Gustavo participaram do quarto episódio da série “FavelaPOD Democratizar” de 2023, uma realização do Observatório de Favelas em parceria com o Seja Democracia. Acesse todos os episódios AQUI.

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