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Experiências de paternidade negra e seus desafios

Neste episódio da série “FavelaPOD Democratizar”, Humberto Baltar e Osmar Paulino compartilham suas experiências, desafios e triunfos para desconstruir padrões de comportamento estereotipados e criar laços significativos com seus filhos.

A paternidade, esse elo entre pais e filhos, desempenha um papel vital nas possibilidades de futuro. Mas quando se trata da masculinidade negra, a caminhada paterna assume uma dimensão ainda mais profunda. Ela se torna uma oportunidade para desafiar estereótipos enraizados sobre o homem negro, romper com o machismo e outros preconceitos sistêmicos, e construir pontes de compreensão e solidariedade. Para conversar sobre o tema convidamos Humberto Baltar, professor de Paternidades Pretas na pós-graduação de Crianças, Adolescentes e Famílias do Ministério Público do Rio de Janeiro, professor de Inglês Técnico na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor de Ensino Fundamental na Prefeitura do Rio de Janeiro e Osmar Paulino, geógrafo, professor de Geografia, educador popular e mestrando em Cultura e Territorialidades na UFF. É diretor criativo e curador do FAIM Festival.

Pergunta: Humberto, na sua jornada como pai, como você percebe a importância da presença ativa e constante na vida do seu filho, especialmente considerando o contexto da masculinidade negra? Gostaria de saber mais sobre sua motivação para criar o coletivo Pais Pretos Presentes e sobre como essa iniciativa tem contribuído para a sua paternidade e de outros homens pretos.

Humberto Baltar: Quando eu soube que eu iria ser pai, um dia antes do dia dos pais, em 2018. Eu fiquei muito preocupado porque eu não tinha um repertório positivo sobre masculinidade negra, sobre a cultura negra, para passar para o meu filho. Então, eu também não tinha um repertório emocional para passar para ele, porque eu não tive um pai provedor de afeto, um provedor de carinho que dissesse “eu te amo”. Eu tive um pai provedor de coisas que me dava roupas, uma ótima proteção, brinquedos. Mas não tinha esse diálogo sobre as minhas fraquezas, inseguranças, frustrações. Então, diante disso, eu percebi que eu precisava desse repertório. E a ancestralidade africana me ensina através de um provérbio que diz que uma pessoa é uma pessoa, através de outra pessoa, que eu tive que buscar outros homens e outros pais para aprender sobre masculinidade negra, sobre paternidade negra e até para criar o meu filho. Porque tem um outro problema que diz que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. Ou seja, é justamente na pluralidade que eu aprendo a acessar outro de outras formas de ser. E isso se mostrou muito importante pra mim, porque eu descobri que realmente, apesar de ser uma pessoa autista e que tem dificuldade com a expressão de afeto, dificuldade com a relação interpessoal, por exemplo, através da troca com outros homens, eu acabei forjando em mim um homem carinhoso, afetuoso. Mesmo antes do meu filho nascer eu já massageava a barriga da minha esposa, cantava pra ele, contava histórias pra ele, e dessa forma se fortaleceu muito nosso vínculo enquanto casal e o vínculo paterno também. Então, quando ele nasceu foi só uma completude de um amor que já existia. Eu lembro que quando era o momento mesmo do nascimento, lá na maternidade, enquanto eu tava ajudando a minha esposa nas contrações, naquele momento tão difícil, eu já tava ansioso pra vê-lo, né? E eu fui a primeira pessoa a ver o meu filho e essa é a minha maior alegria, especialmente em um país, onde mais de 5 bilhões de crianças não têm sequer o nome do pai no seu registro […].

Pergunta: Então, Osmar, como a sua experiência pessoal como homem preto e os desafios sociais enfrentados por você influenciam a maneira como você educa seu filho em relação à sua identidade e masculinidade? De que forma você equilibra os valores que deseja transmitir com as mensagens que ele pode estar recebendo da sociedade?

Osmar Paulino: Uma vez que a sociedade brasileira, ela deixa sua construção a partir da ideia do colonialismo. Ela viu na população na população negra um meio de trabalho e o homem negro, a ideia de estereótipo. A partir de uma noção de você classificar para dominar. Então, como você classifica o que o homem negro hoje, que é uma consequência do que vem lá desse processo colonialista, você tem um homem raivoso ou aquele homem muito violento, um traficante, um bandido. Estereótipos tem como opção de um regime visual, comunicativo e cultural, justamente preservar, manter e criar novos aspectos dentro do racismo. Então você cria esse estereótipo como uma maneira de manter uma diferença: O que é o homem negro? O que o homem branco. O importante é que essa diferença seja bem estabelecida para que o tratamento da sociedade, quando eu falo sociedade, eu falo, de todos os campos sociais, de fato, inclusive do Estado. Então, qual tratamento que a polícia, por exemplo, oferece ao homem negro ou o tratamento que a polícia oferece ao homem branco? Eu acho que a grande contribuição, por exemplo, de pensadores negros sobre tudo nessa virada, com os pensamentos decoloniais, é justamente tentar entender como que isso influencia o emocional na psicologia do homem negro. Fanon traz isso  muito bem e Neusa Santos, que é tentar traduzir qual a consequência desse regime visual na psicologia do homem negro. Como Fanon apresenta que o homem negro não é um homem, é um homem negro, apresenta que isso causa frustrações uma vez que ele foi criado para que possa se entender como um branco, ou seja, aí entra o machismo. Como que eu vou viver em uma sociedade machista como um homem negro? Vou tentar reproduzir essa forma de viver do homem branco. A própria Neusa Santos traz o “mito da brancura”, então a primeira ideia que um homem negro, por exemplo, tem ao nascer é “eu preciso ser como um homem branco para que eu possa sobreviver”. Isso causa uma dicotomia na relação entre pai e filho.

*Essa entrevista pode ser acessada na íntegra no FavelaPOD, o podcast do Observatório de Favelas. Humberto e Osmar participaram do terceiro episódio da série “FavelaPOD Democratizar” de 2023, uma realização do Observatório de Favelas em parceria com o Seja Democracia. Acesse todos os episódios AQUI.

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