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Jovens negras comunicam vidas

“Comunicação é  o ato de gerar vidas através de análises não vistas, mas análises percebidas por quem sempre teve os óculos roubados e o falar silenciado.” – Flora Rodrigues

Por Flora Rodrigues*

A urgência de nós, pessoas pretas, existirmos neste país, nos faz constituir caminhos de celebração das nossas potências. Como exemplo disso, as negras jovens dessa nação chamada Brasil, tem caminhos de revolução, mas essas narrativas não são evidenciadas pela mídia tradicional, branca e eugenista. Por isso, a comunicação é tão importante, pois é uma ferramenta ancestral que habita na amplitude de cada corpo negro desse país – mesmo que por vezes silenciada e renunciada por uma estrutura racista, ela existe, pois o nosso movimentar preto comunica algo. 

Inquietações geram revoluções. Nesse sentido, é sobre essas narrativas revolucionárias de negras jovens que venho celebrar e disseminar, tudo isso como um projeto de vida. A verdade é que negras jovens, através da comunicação, constituíram um projeto de emancipação. Emancipar corpos e mentes através de  movimentos políticos, é um acontecimento atemporal, é uma engrenagem contínua. 

O Norte e Nordeste do Brasil gestam grandes potências de comunicação, negras jovens que se utilizam das ferramentas ancestrais para mobilizar, disseminar e projetar narrativas de sonhos e incômodos dessa estrutura racista que nos cerca. Essas regiões do país sofrem com um apagamento histórico de suas produções, sendo consideradas regiões hospitaleiras, termo xenófobico, pois é colocado em uma posição de gestar cuidado, e nunca gestar saberes, conhecimentos e tecnologias.

Ser negra jovem advinda da região Norte e Nordeste reafirma sabedorias ancestrais, conexões plurais e narrativas grandiosas, pois habitam em nós as mais plurais resposta de um projeto de nação justo para todes, a comunicação é uma pílula de acessos, encontros e descobertas de sonhos, pois através do que acessamos iniciamos um processo de criar imaginários possíveis de serem alcançados, não tem como sonhar com o desconhecido. Com isso, a urgência de dar nome às negras jovens que vem produzindo conhecimento, mobilizações, afetos e revolução em seus territórios.  

Yane Mendes é uma jovem negra que reside na cidade de Recife – Pernambuco no Nordeste do país, comunicadora, articuladora e mobilizadora em seu Território. “Eu sou fruto de projetos sociais, que me ensinaram a problematizar e disseminar  o olhar da favela, hoje eu me coloco no mundo enquanto cineasta periférica e a partir disso começa minha articulação no mundo”. 

Para ela, a comunicação popular dialoga diretamente com as favelas do Brasil, fazendo um papel de tradução, para que todos os seus familiares e amigos possam acessar informações revolucionárias. “As pessoas confundem comunicação popular com comunicação gratuita, mas é ao contrário, cada vez mais estamos nos  especializando tecnicamente, juntando nosso olhar político, social e técnico, não é por que é da favela que é de qualquer jeito”, reafirma Yane Mendes sobre as potências das produções advindas das periferias, acreditando sempre no poder da comunicação. 

Mendes fala sobre a importância do movimento de mulheres negras no reconhecimento de sua identidade “ Compreendi que transitar por diversas favelas me fez uma grande articuladora, fui articuladora desde pequena, a gente não trabalha com a base, nós somos a base”. Em seu instagram, ela reafirma através dos seus posts a importância de reprojetar os corpos de pessoas pretas e faveladas em lugares de prosperidade, desenvolvendo conhecimento, tecnologia e articulação.

Yane é coordenadora da Rede Tumulto e integra a articulação Nacional De Negras Jovens Feministas (ANJF). Na Rede Tumulto, desenvolve formações  com jovens, incidência política e emergencial, como por exemplo durante a pandemia foi uma das responsável de mobilizar cestas básicas + informativos sobre o vírus da COVID-19 em uma linguagem acessível, para as periferias do Recife.

Yane Mendes com sua família e amigos durante encontro na favela do Totó, em Recife. Foto: Acervo Yane Mendes / Reprodução

A disseminação de ações que geram transformações em  territórios periféricos, tem um projeto mais macro que é de salvar vidas e restituir sonhos,  a comunicação  exalta a potência das produções faveladas, que por vezes parece escassa aos olhos da mídia tradicional, reafirmando um estereótipo racista que na favela só existe morte e apenas isso. Yane é a possibilidade de vida, é a vibração de uma ancestralidade que tiveram seus sonhos interrompidos, referência para as negras jovens desse país que resistem e produzem a  revolução.

A pluralidade das narrativas de corpos dissidentes que contra narraram uma lógica sistemática de reprodução racista, é gigantesca, meninas negras que se utilizam da comunicação como ferramenta de ativismo. A Amazônia, território sagrado que resiste às mais

Tayna Silva desenvolve projetos de comunicação com mulheres em seu território. Foto: Acervo / Tayna Silva / Reprodução

plurais formas de violação é morada de  negras jovens, indígenas que produzem vida através do seu movimento político e ancestral.

Tayna Silva é uma dessas jovens revolucionárias que reside na cidade de Belém – Pará, norte do País. Para ela “ a comunicação  é uma ferramenta de ativismo de abrir e criar novos imaginários possíveis e coletivos, para serem verbalizados e ecoados dentro de multidões” . Tayna entende a comunicação como esse registro vivo, que celebra memórias, pessoas e territórios.

Aos 22 anos, Tay Silva leva suas vivências e construções plurais para todo o território nacional, faz parte da curadoria do festival Liv Mundi o maior festival socioambiental do Brasil, também  desenvolve trabalhos voltados à produção e audiovisual. A disseminação do seu ativismo e mobilização na Amazônia é uma ferramenta potente. “Projetar nosso futuro também é uma ferramenta de revolução, tudo que projeta nossa vida para o futuro é revolucionário, comunicação é isso: REVOLUCIONAR os métodos de um passado que nos nega, de um presente que não pode nos silenciar, e um futuro que vai ter que nos ouvir”, explica Tayna Silva.

Tayna reafirma que se tornou ativista pela necessidade de se manter viva, muito além do corpo, mas em cultura, memória e comunidade. A necessidade de falar sobre o local onde vive mostrou que ser ativista é preciso, para todos que vieram antes dela e todos que virão.

 

 

*Flora Rodrigues faz parte da Rede de mulheres negras de Pernambuco, ANJF – Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas, coordenadora da Rede tumulto, empreendedora digital, comunicadora popular, poetisa MARGINAL, ESCRITORA do livro BIBIZINE, Curadora do festival LIVMUNDI (o maior festival socioambiental do Brasil), Ciberativista, desenvolve conteúdo para plataforma do Instagram trazendo vivências e enfrentamento ao racismo fluido do nosso dia a dia. Ela foi selecionada a partir do edital Colabore com o Notícias&Análises 2022.

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